Entrevista: Jason Prado, diretor executivo do Leia Brasil4/5/2009 - PNLL
O Leia Brasil foi criado em 1991 como um programa vinculado à Petrobras e em 2002, após reestruturação, passou a atuar como uma organização não-governamental. Seus projetos começaram com a ideia de possibilitar o acesso ao livro e promover a leitura na comunidade escolar na rede pública de ensino e têm como ponto forte a formação de professores-leitores, além de trabalhar também com o encantamento de alunos e docentes na literatura, com a distribuição de livros por meio de um caminhão e com a publicação de textos para dinamizar uma leitura temática na sala de aula. Atendendo a mais de 400 mil crianças todo mês e capacitando 20 mil professores por ano, o Leia Brasil tem ações presenciais em 56 cidades brasileiras e ações de suporte em quase todos os estados nacionais. À frente deste projeto está Jason Prado, que conta nesta entrevista o funcionamento do Leia Brasil e das ações visando intensificar a prática da leitura no país.
PNLL - Jason, quais são as principais ações do Leia Brasil junto à rede pública de ensino neste momento?
Jason Prado - O Leia [Brasil] começou com a ideia de possibilitar o acesso ao livro. E a primeira ação que nós fizemos foi montar um caminhão-biblioteca e levar o livro para dentro da escola, achando formaríamos leitores. Rapidinho, descobrimos que o acesso ao livro não é suficiente para isso. Primeiro, porque o próprio professor, que é o exemplo para a criança começar a engatinhar pela leitura, não tem o hábito de leitura. O professor de modo geral não refletia sobre as possibilidades da leitura dentro de sala de aula. Ele então se isentava, não utilizava o recurso que a gente levava. Então, nós buscamos o apoio da Biblioteca Nacional - isso em 1991, 1992, quando estavam começando a formular o PROLER. Acontecerem algumas coincidências e o Leia Brasil foi rapidamente equipado com um ótimo programa de formação do professor leitor. Hoje, as ações do Leia Brasil estão estruturadas em cinco frentes. A primeira é o caminhão que fornece acesso ao livro. A segunda é o encantamento do professor para questão da leitura: nós fazemos teatro, levamos escritores, poetas, contadores de história, enfim, tudo que pode envolver o docente com a leitura. Há uma ação de encantamento também para o aluno, onde nós levamos contadores de história, palhaços, artistas e espetáculos para dentro da escola. Temos uma ação de formação continuada do professor em diversas disciplinas e áreas voltadas para a questão da leitura. E, por fim, cuidamos de uma publicação, que é uma seleta de textos, oferecida gratuitamente para o professor, para que ele saiba como dinamizar a leitura temática dentro de sala de aula. Nesse caso, editamos textos sobre temas transversais, que fazem parte da construção da individualidade e da cidadania, e cruzamos com o pensamento humano e a literatura e a arte.
PNLL - Qual acontecimento ou iniciativa que você destacaria como sendo um dos ápices do Leia Brasil? E em quantos estados vocês atuam hoje?
JP – O ponto forte do Leia Brasil é realmente a formação do professor-leitor. O professor brasileiro, principalmente na biblioteca pública, é completamente despreparado, não só por formação, mas socialmente também, já que é desprovido de suporte de desenvolvimento pessoal, de perspectiva e de desejo. Trabalhar com o desejo, com a vontade e com a informação desse profissional é um dos pontos focais do Leia Brasil. E é muito gratificante. Nós trabalhamos com números muito grandes: o site do Leia Brasil tem mais de um milhão de visitas por mês - só no Rio de Janeiro, atendemos a 400 mil crianças todo mês - e capacitamos 20 mil professores por ano. Temos ação presencial em 17 cidades no estado do Rio de Janeiro, em cinco cidades do estado de São Paulo, em sete cidades do Paraná e em 27 cidades de Sergipe. Também já atuamos em Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul. Contamos com ações de suporte em quase todos os estados brasileiros.
PNLL – Quais os aspectos que precisam ser trabalhados para consolidar o livro e a leitura no país?
JP – O Brasil deveria focar muito na questão da escola. As famílias brasileiras contemporâneas não têm condição de dar conta do papel de formação de mediadores de leitura, já que estão fragmentadas ou o pai é analfabeto, entre milhões de razões. Já entre as comunidades, temos que levar em consideração a pressão midiática muito grande da imagem, da emoção, que afasta as crianças da leitura. Então, eu acho que só existe um espaço por excelência para se fazer a formação do leitor: e é a escola, no ensino primário, no ensino fundamental. E para que isso aconteça, o Brasil devia dar por perdido as gerações que estão aí e fazer um projeto do futuro, um projeto da leitura em 2015. Começar a formar o professor e a escola para isso, para se ter realmente uma educação de excelência para que em 2020 a gente possa dizer que temos uma geração leitora, com compreensão de leitura, com sensibilidade. Quer dizer, para fugir da barbárie.
PNLL – Qual o fio condutor que guia as ações do Leia Brasil?
JB – O segredo do Leia Brasil é trabalhar a estima do professor. Na medida em que nós exigimos um reconhecimento da importância dele no papel da educação e oferecemos todo o trabalho de formação de graça, em contrapartida solicitamos todo o seu engajamento. Ao ter o seu trabalho respeitado, o professor se vê envolvido de uma forma completamente diferente. Nós não levamos nenhuma proposta de avaliação. O professor que se envolve com a leitura pelo Leia Brasil não tem que fazer nenhum relatório, não tem que dizer para quantas pessoas ele lê, não tem de preencher ficha de frequência. Ele tem só que se envolver com a leitura e ser feliz. Trabalhar com essa perspectiva de fruição é o segredo do Leia Brasil. Por isso, recebo em média, por dia, uns 150, 200 e-mails pedindo para participar do Leia Brasil.
PNLL - Qual o papel dos quadrinhos hoje na leitura e na alfabetização? E como o Leia Brasil trabalha com isso?
JP – Fomos parceiros durante muito tempo da editora Abril e da Fundação Victor Civita. Distribuímos centenas de milhões de histórias em quadrinhos em escolas públicas desse país. Nós tínhamos o caminhão e eles tinham o encalhe, que nos era repassado. E distribuíamos isso pelo Brasil inteiro. Se você entrar hoje no site do Leia Brasil, há uma instrução de como montar e organizar uma gibiteca dentro de uma escola ou comunidade. Nós damos toda a importância para a questão do quadrinho. Eu mesmo fui um leitor de quadrinho, minha tese de mestrado é sobre quadrinho e minha filha é uma leitora de mangá (quadrinhos japoneses). Se nós fecharmos o olho para isso, vamos perder esse leitor. É claro que se você tem uma identidade e uma familiaridade com a superfície do texto, ele vai uma hora te invadir e você vai ser um leitor compulsivo: vai ler bula de remédio, aviso de elevador; você acaba ficando viciado na leitura.
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