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segunda-feira, 7 de julho de 2008

A FORÇA DA IMAGEM E A IMAGEM DA PALAVRA




FORÇA DA IMAGEM E A IMAGEM DA PALAVRA
A narrativa oral e a encenação teatral

CARLOS AUGUSTO NAZARETH



Os contos de tradição oral se constroem na hora da contação, na interface do contador e seu ouvinte. À medida em que a contação caminha, o ouvinte vai construindo a seqüência das imagens da história. É um exercício de criatividade que transforma palavra em imagem. Ou seja a palavra contém a própria imagem. A gestalt da palavra

Gestalt:
A “”"o que é colocado diante dos olhos, exposto aos olhares". Hoje adotada no mundo inteiro significa um processo de dar forma ou configuração. Gestalt significa uma integração de partes em oposição à soma do "todo".
Uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e que tem uma forma ou configuração como um de seus atributos. Uma gestalt é produto de uma organização e esta organização é o processo que leva a uma gestalt.
Dizer que um processo, ou o produto de um processo é uma gestalt, significa dizer que não pode ser explicado pelo mero caos, a uma mera combinação cega de causas essencialmente desconexas, mas que sua essência é a razão de sua existência.”

Na medida em que o narrador conta a história seu ouvinte vai construindo com organicidade que compreende sigficante e significado (Ferdinand de Saussure) e constrói uma imagem que corresponde à palavra dita. Depende, portanto, também, da forma como é dita, para que esta construção se faça. Cada ouvinte formará sua imagem de acordo com sua memória afetiva, seu repertório de imagens, enfim todo seu universo interior.

Na contação de história, o contador fala “então Nariz de Prata, com um sorriso atravessado, olhou enviazadamente para a filha mais nova da lavadeira, revelando suas reais intenções” o ouvinte é quem cria esta imagem construída pela palavra.

No teatro, diferentemente, o ator, por vezes juntamente com o diretor, descobre este “sorriso atravessado” que muitas vezes não causa o mesmo impacto que a imaginação do leitor criou.

Por outro lado, muitas vezes uma cena cruel, onde ainda em Nariz de Prata, adaptação do Barba Azul, feita por Ítalo Calvino – as irmãs chamuscadas e queimadas no quarto em fogo são imagens terríveis, mas que o imaginário do ouvinte ou leitor constrói de acordo com seus signos.

Já no teatro, esta imagem se corporifica. E esta materialidade ou fisicalidade pode ser decepcionante, muito menos “fabulosa” do que a criada pelo ouvinte ao criar uma imagem mental da palavra e assim desmancha-se o efeito desejado pelo autor, ou ao contrário, a imagem criada pelo ator e diretor agridem a imagem criada pelo ouvinte ou leitor mais “light”. O leitor ou ouvinte modula suas imagens que surgem, como um todo orgânico, a partir de sua história e possibilidades, já no teatro a imagem é criada por terceiros e apresentada ao espectador pronta – ou quase, pois o dialogismo está sempre presente.

Na contação de histórias a imagem é sugerida, rascunhada, por um tom de voz, um gesto, no teatro a imagem é composta por inteiro e complementada por figurino, luz, cenário.

Dizem os profissionais da educação que o leitor vai se tornando um leitor experiente, abandonando até mesmo um analfabetismo funcional, na medida em que consegue formar imagens a partir do texto lido. Ou seja, transformar em terceira dimensão uma história narrada. Isto é um exercício contínuo de “alfabetização” . A construção da imagem é tarefa do leitor, a partir do que lê ou ouve e do seu repertório próprio.

No teatro a construção da imagem é feito pelo diretor, autor, figurinista, iluminador e perde, de alguma forma, as muitas possibilidades de construção em aberto quando de uma leitura ou ao se ouvir uma história. A imagem vem acabada, pronta e pode estar ou não de acordo com o imaginário do espectador. Por isso tão difícil as adaptações dos textos de tradição oral, por vezes tão fortes enquanto literatura e que se fragilizam no palco.

Além disto a estrutura narrativa do conto popular muitas vezes vai de encontro a certos princípios da narrativa teatral. O conto popular tem muitas vezes a estrutura da repetição por três vezes do mesmo núcleo narrativo. Os três irmãos que partem cada uma a seu tempo, mas que fazem o mesmo percurso, encontram as mesmas dificuldades, ou como ainda no caso de Nariz de Prata as três irmãs que partem, cada uma de uma vez, e que retornam também cada uma por sua vez, repetindo a estrutura narrativa da construção da fábula tanto na ida quanto na volta de cada uma delas. Na narrativa de tradição oral, esta repetição tem dupla razão de ser. A repetição facilita a compreensão, o entendimento e a fixação do que está sendo contado, sublinha o que o narrador deseja passar a seu ouvinte, além do que a repetição nas histórias narradas têm este caráter da repetição, do re-conhecimento da narrativa, facilitando o ouvinte a “adentrar” a história.

O teatro, por sua vez, acontece, segundo Margaretha Nicolescu, diretora romena de teatro, quando surpreende o espectador, portanto num processo oposto ao da narrativa oral, esta é outra dificuldade que história fantásticas, atraentes quando narradas, se tornam cansativas quando encenadas porque lhes é retirado o fator surpresa. Além disto há que pensar que teatro é ação, ação dramática, imagem e muitos textos se constroem em cima de idéias, de conceitos, que são com certeza bem mais difíceis de se transcrever para a cena.

Toda forma de expressão pode ser transcrita para outra forma de expressão, embora se diga que o dramaturgo cria para a cena teatral, o roteirista para a televisão ou para o cinema e estes ainda também de formas diferenciadas, pois são linguagens próximas, mas diferentes. Porém há textos mais propícios à transposição de linguagens e outros menos. E isto talvez porque alguns textos tenham sua essência na linguagem para qual meio foram criados. Narrativas essencialmente para serem lidas e ouvidas, como os contos de Oscar Wilde, que usa as longas descrições de cenários e ambientes para junto com estas descrições construir o universo que cria e que deseja que seja visto e entendido. Transcrever Wilde para a cena é uma tarefa difícil.

Porém em Arte nada “não pode”. “Tudo pode”, é preciso apenas estarmos atentos, conscientes e dominando a técnica de análise e transcrição – que prefirimos assim chamar do que adaptação.

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