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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O mito

O mito



Cultura e Mercado - Erlon José Paschoal



Como milhares de outros brasileiros, fui também assistir ao filme “Lula, o Filho do Brasil”. Muitas cenas me emocionaram, algumas me fizeram lembrar de um período negro da história de nosso país, várias do terrível desequilíbrio social ainda vigente e outras me remeteram a minha adolescência.



Trata-se de um filme biográfico como o foi “2 Filhos de Francisco”, com a diferença de que, neste caso, conta-se a história de uma dupla sertaneja como inúmeras outras. Lula é único na história do Brasil. E talvez o seja por muito tempo.



A acusação de que o filme tem a função de fazer do biografado um mito e assim angariar votos para a sua futura candidata não se sustenta e chega a ser ridícula. Mesmo sendo um filme sem nuanças e unilateral o que transparece é a figura humana, a história tão significativa de um brasileiro oriundo das classes mais desfavorecidas e desassistidas desse país.



Trata-se de uma figura e de uma história reais. Mircea Eliade em seu famoso livro “Mito e realidade” afirma que o mito “fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente”. Por outro lado, o filme peca em mostrar o personagem principal sendo apenas levado pela força dos acontecimentos e destituído de um rigor ideológico consistente (típico da época). Quem o rejeita não mudará de ideia mesmo assistindo ao filme, quem o admira deverá provavelmente fortalecer esse sentimento. Mas daí a pensar que ele pretende transferir votos nas eleições presidenciais de 2010 é algo que beira o descontrole.



Muito diferente é fazer de um filho de coronéis modernos de Alagoas um superherói invencível, caçador de Marajás adorado por todos, como há alguns anos os grandes meios de comunicações fizeram de Collor. Neste caso de fato forjaram um mito, inventaram um estadista. Ele surgiu do nada e tornou-se em pouco tempo um salvador da pátria implacável com os inimigos e adversários políticos, até que por fim seus mentores descobriram que tudo não passava de uma farsa indefensável protagonizada por bandidos e larápios ambiciosos do mais alto calibre. Na ocasião, os jovens pintaram a cara, se mobilizaram e ganharam a atenção da mídia impedindo um golpe de mestre com grandes chances de sucesso. A rede de colaboradores que o sustentava se redimiu e aceitou o óbvio, aderindo à indignação geral de uma população à mercê de bandos de irresponsáveis.



Este também é um caso único na história de nosso país repleta de pizzas, de conchavos, de panetones e de acordos bilaterais infames. Dizem que a nossa memória é curta e que nos negamos a encarar as agruras do passado. Basta ver a celeuma recente causada pela simples ideia de identificar, mesmo sem puni-los, autores de crimes hediondos como a tortura e o assassinato indiscriminado de pessoas, capitaneados pelo poder público durante a ditadura militar. Espero viver o dia em que nos confrontemos com nossas mazelas sem temores, nem subterfúgios ou falsos pudores.



Nesse contexto, as repercussões das acusações e reservas sobre os supostos objetivos do filme chegam a ser maiores que o seu valor em si mesmo. O exercício constante do senso crítico em relação aos governantes é essencial à consolidação da democracia, pois como já afirmou um de nossos maiores dramaturgos “toda unanimidade é burra”, mas considerar que todos os bons índices do atual governo são frutos do acaso ou de alguma feliz coincidência assemelha-se à cegueira ou à implicância.



O Brasil é um país complexo e extremamente desigual, contudo acredito que em 20 anos de prática a maior parte da população alcançou uma maturidade suficiente para distinguir a propaganda enganosa da exposição de propostas e de valores fundamentais para o aperfeiçoamento do nosso processo democrático.



A propósito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá no próximo dia 29 o prêmio de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Segundo o presidente do Fórum, Klaus Schwab, “o presidente Lula é um exemplo a ser seguido pela liderança global.”

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