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segunda-feira, 22 de março de 2010

ALMA IMORAL

Poucas vezes um espetáculo transcende ao próprio teatro, ultrapassando questões técnicas ou estilísticas e alcançando um estado maior, uma tal plenitude em sua essência que nos toca profundamente, não como espectadores da obra, mas como homens que a vivem. Clarice Niskier consegue esse feito em “A Alma Imoral”, um monólogo de grande sucesso nos palcos há três anos. A idéia da atriz (que já exibia domínio do teatro solo no bem-humorado “Buda”) nasceu após uma entrevista na televisão onde afirmou se considerar uma judia-budista e recebeu uma repreensão de determinada espectadora contrária à seu sincretismo religioso, defendida pelo também entrevistado rabino e escritor Nilton Bonder, ela encontraria no livro homônimo dele o texto e ponto de partida para este trabalho onde aponta um novo olhar para conceitos como a tradição e a traição, a hipocrisia e a verdade, o correto e o errado. A obra é construída basicamente através de parábolas, a maioria judaicas, e outras comuns à Torá e à Bíblia cristã, somadas à reflexões positivistas com certo tom subversivo, terminando por desvelar a alma humana. O texto, bastante poético e delicado, correria o risco, no entanto, de resvalar numa espécie de auto-ajuda, se não fosse o brilhante trabalho da atriz em sua sensível adaptação. Sensível é também sua concepção, supervisionada pelo diretor Amir Haddad, a intérprete cria uma encenação limpa e bastante bonita, com lindas imagens, que contam com a contribuição do ótimo figurino: apenas um tecido preto que se transforma em diferentes vestimentas. Antes de vesti-lo, porém, a atriz desnuda-se em cena, no primeiro segmento do texto é assim que ela se apresenta ao público, com um dos momentos de nudez mais delicados e bonitos que já vi no teatro, despojada de sexualidade ao despir-se ela simbolicamente mostra sua alma e pede-nos o mesmo. A partir daí o público já está rendido à mulher que sobre o palco, com incrível humanidade, transcende a idéia de interpretação para alcançar uma sinceridade e uma aproximação comovente com o público, num trabalho memorável. As histórias judaicas estão no espetáculo (e é o cultivo à sua memória uma das grandes marcas do povo judeu) e os conceitos da filosofia budista também (e é o entendimento da vida o principal foco dos budistas desde sempre), fazendo-nos compreender plenamente a declaração da criadora e que a motivou neste trabalho. “A Alma Imoral” traz a performance imperdível de uma grande atriz e evoca reflexões que remetem a todos, um raro espetáculo para ser sentido.



Serviço: Teatro Eva Herz
Segunda e terça 21h



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