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segunda-feira, 19 de abril de 2010

CULTURA DO ENGANO

Existe toda uma cultura de engano no que diz respeito à expressão dramática para crianças, às aulas e às suas apresentações públicas que importa abordar:

1.


Uma aula não é um ensaio de uma peça de teatro;


um processo de aprendizagem não é um processo de ensaio de uma peça de teatro;


um processo não se pode confundir com um resultado;


o resultado de aulas está no que modificou quem as fez, e não na construção de uma obra artística;


as obras artísticas são construídas em processos artísticos;


as peças de teatro são construídas por actores e só conseguimos ser actores a partir de certa idade e desenvolvimento;


um aluno de expressão dramática é um aluno de expressão dramática, não um actor;


uma criança aluna de expressão dramática é uma criança aluna de expressão dramática, não um actor, e muito menos um adulto actor.

2.


Uma formação em expressão dramática com crianças não é uma escola de actores pois


- uma criança não maneja (o termo é este e não "entende" ou "compreende") ainda o fazer de algo fantasioso para alguém;


- uma criança está ainda a descobrir o fazer de algo fantasioso para si e para outros que fazem para ela;


- uma criança está na descoberta da sua expressão e dos seus temas, e não ainda na expressão dos outros e dos temas dos outros;


- uma criança não é um actor, é uma criança.



3.


Pensar que uma criança possa fazer, SEM DEVASSA, apresentações públicas como fazem os actores, é enganar-se a si mesmo ou, pior ainda, querer enganar outros.



Pensar que fará bem a uma criança ir para um palco representar quando ainda deveria estar numa sala a jogar consigo e com as outras crianças é DEVASSA.

Quando forçamos alguém a uma exposição isso é DEVASSA.


DEVASSA está tão longe de jogar dramaticamente como o prazer está longe da sensação de ridículo.



A auto-pressão das instituições de formação em apresentar resultados sob a forma de espectáculos é um traço paranóide.



O resultado do crescimento é o crescimento. Se não se conseguir ver de fora, recomenda-se que se procure melhor.

4.


No respeitante a apresentações teatrais com crianças temos duas alternativas:



a) fazer-se apresentações e acontecer DEVASSA



b) não fazer apresentação nenhuma e deixar-se a criança fazer o seu jogo dramático*



Sendo que a hipótese a) colide com a b);



sendo que forçar alguém a fazer seja o que for estraga qualquer outra relação pedagógica anterior;



sendo que a única maneira de se forçar alguém a fazer alguma coisa é pela opressão e a opressão é o contrário da liberdade e esta é o objectivo de qualquer formação.

5.


Sendo assim, a única conclusão é esta:


Adultos saudáveis - se quiserem que sejam saudáveis as crianças que são vossas ou estão a vosso cargo


Não aceitem gato por lebre;



Digam não às apresentações, aos saraus, às festas de fim de ano, às pecinhas de teatro da sala, aos bambini amestrati, aos meninos bem comportados a fazerem coisas feitas para adultos, por adultos, segundo lógica e fantasia de adultos;



Digam não à desonestidade disto tudo, ao marketing e à ilusão de vermos uma criança fazer coisas que parecem teatro só porque se está num teatro;



Digam não à ideia tola de serem os adultos a dizer a uma criança como deve criar e o que deve criar, quando é ela a melhor especialista nisso;



Digam não a toda a insensibilidade e ignorância do que é sensível e criativo no mundo e atentem nas invenções e brincadeiras das vossas crianças;


Reparem que todo o teatro está na brincadeira das crianças - ali, toda a beleza está ali, toda a fantasia, mesmo à espera - não de ser mostrada a um público- mas de cooperação, de contracena vossa, do vosso estímulo;



Recordem-se que um jogo, uma brincadeira, funcionará sempre enquanto todos brincarem, sejam adultos ou crianças. E é tão fácil um adulto entrar numa brincadeira de criança, basta perguntar o que é isto ou aquilo e aceitar a resposta, qualquer que seja;

Lembrem-se por fim que é infinitamente mais nobre ser aceite numa brincadeira e ajudá-la a crescer do que dez mil apresentações de meninos domados a irem para a esquerda e direita.






* Que é privado, é jogo, não tem nenhuma finalidade senão o prazer de se brincar.

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