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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Exercício de afetos

Exercício de afetos

Estado de Minas - Mariana Peixoto



Encontro entre os grupos Galpão, de Belo Horizonte, e Armazém, do Rio de Janeiro, traz para a cena os diferentes processos de criação de espetáculos e preparação dos atores



Was Romeo really a jerk? – em português, Seria Romeu um completo idiota? – é uma canção do cineasta e músico sérvio Emir Kusturica e sua No Smoking Orchestra. Mas para um grupo de atores, ela é simplesmente a música da mexerica. Ou mixirica, em bom mineirês. O apelido é parte da técnica usada por Ernane Maletta para facilitar tanto a compreensão quanto a pronúncia de uma canção em língua estrangeira. Para os integrantes do Grupo Galpão, esse método de trabalho está longe de ser novidade, já que a companhia é parceira do diretor e preparador musical de longa data. Mas para os integrantes do Armazém Cia. de Teatro, tal método é inédito.



Desde segunda-feira, sete integrantes da companhia mineira e outros sete da formação paranaense radicada no Rio têm se encontrado pontualmente às 14h30 na sede do Galpão para uma imersão de cinco horas diárias. O encontro vai até hoje. Amanhã à noite, os dois grupos fazem uma demonstração de trabalho, aberta ao público, no Cine Horto. Se o que vai sair é uma cena ou apenas uma conversa com a plateia, apenas quem for saberá. Anteontem, quando os atores conversaram com o Estado de Minas, tampouco tinham ideia do que iriam fazer. Mas isso, na verdade, pouca diferença faz. “Só a proposta do encontro já é fabulosa”, comentou Patrícia Selonk, atriz do Armazém.



A reunião dos dois grupos se deu por meio do projeto Galpão Convida, desenvolvido pelo Cine Horto há alguns anos e que entra em 2010 com o formato de intercâmbio. A intenção é unir dois (ou mais) grupos teatrais do cenário nacional para uma semana de pesquisa e compartilhamento de experiência entre os artistas e o público. A segunda edição será no próximo semestre. Além do Armazém e do Galpão, a imersão conta ainda com participação especial da companhia gaúcha Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, que está em BH com a montagem O amargo santo da purificação – Uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella.



A conversa teve início no fim de 2009, quando Galpão e Armazém buscaram uma data em suas agendas para se dedicar unicamente ao projeto. Ao longo dos últimos meses, discutiram as propostas por meio de um blog. Como o tempo do encontro seria exíguo, tentaram fechar algumas questões para que, uma vez em Belo Horizonte, pudessem dar início aos trabalhos. Definiram, por exemplo, que iriam trabalhar em cima de Fragmentos de um discurso amoroso (1977), livro de Roland Barthes.



“O olhar muda quando você está com uma pessoa que não tem intimidade”, confessou Paulo André, do Galpão. Patrícia Selonk exemplificou o comentário: “Sempre faço meu aquecimento usando o mesmo vocabulário. Outro dia, estava observando a Lydia (Del Picchia, do Galpão) fazendo aquecimento e vi como era diferente. Ou seja, são palavras diferentes que no fim fazem a mesma coisa.” Antônio Edson, também do grupo mineiro, complementou: “Pelo que senti, o que está havendo aqui é uma curiosidade em desvendar os segredos de alcova.”



Namoro



Para Ricardo Martins, do Armazém, a expectativa em torno do que será visto amanhã é o que menos conta. “O mais importante é estar com eles (os atores do Galpão), ver como se portam no dia a dia. Isso é que vai ficar por trás de tudo, o que é muito diferente de um encontro de um grupo de atores com o espectador.” Nesse exercício de afetos, como bem lembrou Paulo André, o modo de olhar para o outro muda, pois perde os vícios. Esse exercício de observação vai além do trabalho, chegando a questões bem prosaicas. “No espaço do Galpão, a cozinha fica ao lado. Com a gente, não. Então, nos intervalos, nós nos espalhamos. Aqui, todo o mundo se junta”, disse Patrícia Selonk.



O convite para que o Armazém participe com o Galpão do intercâmbio é quase óbvio. A relação entre as duas companhias vem de muitos anos. O namoro a distância se concretizou em 2000, quando o grupo, já vivendo no Rio, estreou em Belo Horizonte, no Galpão Cine Horto, com um de seus espetáculos mais conhecidos, Alice através do espelho, que chegou a retornar à cidade em outra ocasião para nova temporada. Desde então, trouxe outros espetáculos, como Pessoas invisíveis (inspirado na obra do quadrinista Will Eisner) e Inveja dos anjos. Além disso, Paulo de Moraes, diretor e fundador do Armazém (que não veio para o encontro), dirigiu o Galpão em 2007 em Pessoas invisíveis. Todo o encontro está sendo documentado. “Não sabemos se faremos alguma coisa com o registro. Ele pode se desdobrar em um vídeo, por exemplo”, comentou Chico Pelúcio. Hoje fechado ao grupo, ele não descarta abrir para o público o blog que os atores criaram para o intercâmbio.



ARMAZÉM CIA. DE TEATRO E GRUPO GALPÃO

Demonstração de trabalho do projeto Galpão Convida. Amanhã, às 19h, no Galpão Cine Horto, Rua Pitangui, 3.613, Horto, (31) 3481-5580. Entrada franca (uma hora antes, 200 senhas serão distribuídas na bilheteria).



Outros encontros



No ano passado, o Galpão convida fez outro intercâmbio, também em abril. Durante a visita do grupo paulista XIX de Teatro à cidade, o projeto promoveu o encontro com os mineiros do Espanca!. Os grupos apresentaram o resultado de um intercâmbio realizado meses antes, em São Paulo, o experimento Barco de gelo, que atraiu mais de 500 pessoas em dois dias de apresentações. Para o próximo intercâmbio, no segundo semestre, os grupos participantes

ainda não foram definidos.



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