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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quinze anos da retomada do cinema brasileiro

Quinze anos da retomada do cinema brasileiro

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Em 2010, o período considerado como a “retomada” do cinema brasileiro faz sua festa de debutante. A comemoração terá até homenagem nos Estados Unidos, entre 27 de abril e 2 de maio, com o 3º Los Angeles Brazilian Film Festival, que vai exibir mais de 60 filmes, entre longas e curtas-metragens, documentários, animações e projetos de vídeos. No Brasil, a data enseja uma ampla reflexão sobre os acontecimentos e mudanças no cenário audiovisual, bem como sobre os desafios a enfrentar.

Quinze anos atrás, chegava aos cinemas um filme que mudaria o cenário cinematográfico brasileiro, Carlota Joaquina – Princesa do Brazil. Dirigido por Carla Camurati, o longa foi considerado um marco histórico, por renovar a safra de cineastas brasileiros e atrair milhares de espectadores em todo o País. Desde o chamado Cinema Novo – que teve expoentes como Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman e Glauber Rocha e foi esvanecido pela repressão do governo militar e por sucessivos fracassos comerciais – que o cinema nacional buscava espaço no circuito. Neste sentido, o filme de Camurati – hoje presidente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro – trouxe novo fôlego para o setor.

Para André Gatti, professor de História do Cinema Brasileiro e autor do livro Distribuição e exibição na indústria cinematográfica brasileira (1993-2003), o filme é considerado um marco por vários motivos, com destaque para a “distribuição própria, de maneira artesanal, que permitiu que o longa chegasse na hora certa, nos lugares certos”. Segundo Gatti, o período que sucedeu a “retomada” foi pontuado por diversas transformações que afetaram diretamente a área. “A lei de audiovisual mudou; foi criada a Ancine; e a Lei Rouanet ganhou mais força. Houve uma mudança na indústria cinematográfica que repercutiu na produção, na audiência e até nas salas de exibição, que passaram por um processo de modernização. No entanto, a postura do setor continuou a mesma, ainda muito dependente do Estado. Com isso, o cinema brasileiro se distancia da lógica de mercado mundial”. Gatti explica que no Brasil o cinema é muito autoral, o que contribui para seu enfraquecimento, uma vez que poucas são as produções inseridas no mercado.

O professor também afirma que o maior difusor de informação do País ainda é a TV, instituição que produz a maior parte de sua programação de forma “doméstica”. A parceria entre TV e cinema, segundo Gatti, seria um trunfo para que este último ampliasse seu número de espectadores. “Só 8% dos municípios têm sala de cinema e os filmes nacionais não costumam passar na TV. Outro problema que deve ser pensado envolve os preços dos DVDs de filmes brasileiros. Como são caros, os DVDs nacionais não vendem muito e acabam circulando pouco”. Neste ponto, é impossível não lembrar do caso de pirataria de Tropa de Elite, que teve milhões de cópias piratas distribuídas e assistidas antes mesmo de sua estreia no circuito de exibição.

Para André Gatti, “pirataria é um fenômeno internacional, mas, no caso do Brasil, tem a ver com os preços dos DVDs, da TV a cabo, e da internet banda larga, que evidenciam um processo de elitização. A pirataria é a válvula de escape de um mercado ansioso para consumir e que não tem como acessar os meios convencionais”. Como exemplo de mecanismos de combate à questão, Gatti cita o caso francês. “Naquele país, o valor cobrado por fotocópias é alto por conta da impossibilidade de controle da execução de cópias ilegais. Para reduzir os efeitos dessa ação ilegal, parte do dinheiro arrecadado com as fotocópias é direcionado a um fundo, que reserva um montante para as editoras, como forma de preservar os direitos autorais”. Gatti lembra que, no Brasil, foi proposto um projeto semelhante que sequer chegou ao Congresso Nacional.


Já o jornalista e autor do livro Diário de Bollywood – Curiosidades e segredos da maior indústria de cinema do mundo, Franthiesco Ballerini, afirma que querer creditar ao governo brasileiro a resolução desse tipo de problema, chega beirar a ilusão. “As ações antipirataria devem partir de quem sofre com a questão, ou seja, de exibidores, distribuidores e produtores. Estes agentes devem criar mecanismos de proteção, cientes de que a lei está ao lado deles”, afirma.



Entre os desafios que o cinema desse século terá de superar está a falta de hábito de consumo de produções nacionais. Na opinião de Ballerini, um possível antídoto seria a produção de um número maior de títulos que atendesse ao gosto popular. “Não se pode forçar alguém a ver filmes nacionais, mas podemos cativar essa pessoa para que ela se interesse por ver os filmes na telona”. Para André Gatti, a questão da falta de hábito estaria relacionada à conjuntura econômica. “Uma estratégia para ampliar o público de filmes brasileiros seria diminuir o valor dos ingressos e aumentar o período do título em cartaz, com a criação, inclusive, de novas grades de horários de exibição. Também acho que deveríamos focar mais no público jovem e potencializar as produções, utilizando, até mesmo, a internet”.



Gatti também lembra da importância da inclusão do audiovisual nos ensinos fundamental e médio com foco na formação de platéias qualificadas. Segundo o professor, ainda que algumas escolas já utilizem a filmografia nacional para ilustrar matérias, faltam profissionais preparados e equipamentos adequados. O que acenaria para a necessidade de uma política de educação audiovisual voltada para 1º e 2º graus, e de uma integração maior entre educação e cultura. Com isso, verificamos que os desafios para quem faz cinema hoje, no Brasil, não são poucos: existem entraves à produção, à distribuição e à exibição. Sem falar no fato desse bem cultural encontrar-se concentrado nas grandes metrópoles, em áreas nem sempre acessíveis a todos. “Os recursos com os quais contamos não são suficientes para dar vazão ao número de filmes produzidos. Resultado: quando não há circulação, não há audiência. E a média de público para títulos nacionais ainda é muito baixa”, diz. Com o que Ballerini concorda: “ter lucro com cinema é missão quase impossível. Há ainda muito caminho a percorrer até a consolidação de uma indústria cinematográfica nacional”, afirma.



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