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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma História com Purpurina , sonho e Perversão

Uma história com Purpurina, Sonho e Perversão



 Avaliação crítica por Jair Alves


Das trinta e poucas propostas inscritas no Edital para a ocupação da Sala Carlos Miranda na Funarte/SP não há dúvidas, a que vem assinada por Cia Mungunzá de Teatro é a mais consistente. Luis Antonio - Gabriela acabou sendo a “salvação da lavoura” meio à onda Adamoviana (Arthur Adamov um dos expoentes do Teatro do Absurdo) que toma conta da cena brasileira. Estamos preparados para defender este ponto de vista aqui e na China, se necessário. Para nós, o assunto está encerrado, uma vez que a escolha é irreversível.

O que está em pauta nesse momento é a função do teatro brasileiro na discussão dos grandes temas Nacionais, e a participação financeira do Estado na regulação e política desse mesmo teatro e das artes de uma forma geral. Ressalta-se aí, o “caráter espelho” da realidade a que esta produção pode oferecer. E por falar em “espelho”, narcisos e similares, sabemos de antemão que “remar contra a corrente” na avaliação daquilo que vem a público é colocar não só a “cara pra bater”, mas também as costas. Remar contra corrente quer dizer que apontar contradições na febre hegemônica é barulho na certa!

Mas, por quê barulho? Porque, em particular, a experiência teatral Luis Antonio - Gabriela nos parece até o momento mais importante para o autor do argumento e diretor do espetáculo do que propriamente para o público que assiste e comenta o que vê em cena. Alguma coisa errada nisso? Não, claro que não, mas vamos trazer á luz do dia os pontos comuns e não as particularidades que interessam somente à família e aos amigos da “trupe”.

Iniciamos com o espancamento, muitas vezes “demonstrados” em cena. O antagonista (Nelson) a certa altura ressalta que dos filhos teria sido o segundo que mais apanhou do velho pai Paschoal, o primeiro teria sido Luiz Antonio (“a bicha”); um verdadeiro “saco de pancadas”. Resta saber, o que teria mudado na vida e na cena brasileira, nos últimos cinqüenta anos, por onde perpassa a trajetória do protagonista? Além do Estatuto da Criança e do Adolescente; das organizações dos Direitos Humanos e da Lei Maria da Penha, o que mais teria mudado entre nós (os mortais) desde os tempos da Rural Willys até os bicudos anos das grandes concentrações do gay’s, lésbicas e simpatizantes, na avenida mais aristocrática de São Paulo - a Avenida Paulista? Muita coisa mudou, o difícil é dizer pra que mudou?


O quê diz a peça, na vitrine da FUNARTE-SP, em suas quatro sessões semanais? Para responder a essa questão é preciso falar sobre a trupe que a criou antes de tudo. Um corte para a apresentação da Cia Mugunzá! A grande força do grupo é, sem dúvida, a sua extrema competência musical. A exemplo das baladas “brechtinianas” - fonte de inspiração do elenco - o que se vê em cena é uma narrativa linear da vida de Luis Antonio, Nelson e irmã. O resultado é muito bom! Seria difícil suportar 88 minutos, sem a dramatização de fatos e situações. A musica, ao vivo, substitui a opção pelo não conflito dramático. Sem os contornos, melódicos seria algo próximo do enfadonho. Indagamos se o tema e sub-temas tratados no decorrer da encenação trazem alguma informação, como documento, conforme pretende ser classificado a montagem. Ser ou não ser um retrato fiel da realidade, não é garantia de bom teatro nem de bom cinema. Fosse assim, os acontecimentos do 11 de Setembro resultaria no melhor filme de ação já visto nas telas ou numa melhor obra dramática. Como sabemos, não é. Há seu tempo, Brecht polemizou com Durremath se o mundo moderno poderia ser reproduzido em cena? A insistência nessa questão ensejou inúmeras pesquisas teatrais, ao longo das últimas décadas, provocou verdadeira revolução cênica nos quatro cantos no mundo, o que o grupo faz sintetiza nessa montagem. Mesmo considerando que boa parte das soluções teatrais soa como variação de um mesmo, a discussão ainda está aberta. O espetáculo está bem à frente, é verdade, das classificações do “bem” e do “mal” impostas por certos movimentos representantes do atraso intelectual na atualidade - a expressão da indigência intelectual que predomina hoje. A Cia Mungunzá de Teatro está a léguas de distância desse infortúnio.

Louve-se ainda a linguagem escolhida pelo grupo para demonstrar a saga da família Baskerville, uma sucessiva de recursos cênicos conhecidos do teatro moderno, especialmente daqueles que usam o despojamento e materiais com finalidades diferentes para o qual foram fabricados. Uma jornalista que nos acompanhou à sessão, indagou se o cenário (ou falta dele) salpicado de bolsas de soro penduradas no teto simbolizava a UTI em que se encontra a vida brasileira. Respondemos que desconhecíamos a origem dessa iniciativa do grupo a respeito, no entanto, tudo que remete ao simbolismo contrasta com a objetividade da escrita cênica de Bertold Brecht. Mesmo assim, o melhor seria esperar que os autores do projeto se manifestassem a respeito.

Ainda perdura a dúvida de qual é o papel do Estado, no estímulo e apoio às iniciativas artísticas e culturais? Embaraçoso para nós que participamos da escolha deste projeto é ver apenas quatro fileiras de 15 cadeiras distribuídas num pequeno espaço, ao custo de mais de 50 reais por “cabeça” pago com orçamento público. Em recente documento publicado pela Secretaria de Economia Criativa do MINC, encontramos um levantamento do IBGE que aponta a contribuição do “Mercado” das Artes e da Cultura na composição de quase 3% do PIB de 2010. Ainda, segundo este levantamento, o setor movimentou 104 bilhões no período empregando cerca milhões de pessoas. Chega a ser constrangedor que não se consiga levar, por exemplo, o conteúdo discutido em Luis Antonio - Gabriela para milhares de pessoas que participam anualmente da Parada Gay, em São Paulo. Se a temporada iniciada no ultimo dia 07, mesmo que com suas sessões lotadas, no máximo atingiria pouco mais de 4.000 pessoas. Tem algo de errado, para não dizer podre, nessa história. Basta observar as dezenas de mendigos que circundam as paredes do Complexo Funarte/SP. De qualquer forma, a história que inspira Luis Antonio – Gabriela é humana. Pior, desumana!

SERVIÇO
Peça documental: “Luis Antonio - Gabriela”
Dramatúrgica e redação final: de Verônica Gentilin
Direção: Nelson Baskerville
Assistente de Direção: Camila Murano
Diretora Assistente: Ondina Castilho
Direção Musical, Composição e Arranjo: Gustavo Sarzi
Elenco: Marcos Felipe, Lucas Beda, Sandra Modesto, Verônica Gentilin, Virginia Iglesias; Day Porto
Produção: Cia Mungunzá de Teatro
Produção Executiva: Sandra Modesto e Marcos Felipe
Direção Musical, Composição e Arranjo Gustavo Sarzi
Quando: 07 de outubro de 2010 a fevereiro de 2012Dias: de quinta à domingo – às 21h30
Local: Complexo Cultural Funarte - São Paulo (Sala Carlos Miranda)
Endereço: Alameda Nothmann, 1058 - Campos Elíseos - Tel: (11) 3662-5177
Ocupação: 60 lugares
Duração: 88 minutos
Gênero: Documentário Cênico
Faixa etária: 16 anos
Ingressos: R$ 5 (bilheteria abre uma hora antes do espetáculo)

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