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domingo, 9 de setembro de 2012

XI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Teatro de Rua - João Pessoa - PB

XI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Teatro de Rua - João Pessoa - PB

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RBTR: mais um encontro?****

“Em que o senhor está trabalhando?” perguntaram ao Senhor K. O senhor K.
respondeu: “Eu tenho muito trabalho. Eu preparo meu próximo erro.”

Histórias do Senhor Keuner. Bertolt Brecht



A Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), nascida em março de 2007 na
cidade de Salvador-BA, retorna ao Nordeste para mais um encontro de seus
articuladores que pode vir a ser histórico. Já se vão pouco mais de cinco
anos de muita luta com muitos frutos, derrotas e vitórias. A RBTR, no
âmbito teatral, continua a ser o único movimento organizado nacionalmente.
Isso não é pouco, sobretudo se pensarmos nas dimensões continentais de
nosso país e nos altos custos de deslocamento dos articuladores para
participarem dos encontros, na maior parte, com recursos próprios. ****

Acredito demais na força política desse coletivo – muito embora, acho que
ainda seja pouco utilizado em toda a sua potência. Se pensarmos nas
diversas ações realizadas em todo o Brasil por grupos e movimentos que são
ligados a RBTR, como mostras, congressos, encontros, entre outros, não é
pouco o que se tem feito e essas ações dialogam diretamente com as classes
subalternas, para utilizar uma expressão gramsciana. Ora, as ações são atos
que apontam para uma potência extraordinária: a possibilidade de auxiliar
na transformação de toda a sociedade; tarefa que não cabe a um movimento,
mas a todos os interessados, sobretudo aqueles diretamente atingidos pelas
mazelas sociais.****

Desde Platão, em sua obra A República, aprendemos que nós, os artistas
populares, não cabemos na sociedade, pois somos a peste, como afirmara
Antonin Artaud. Assim, se o teatro, dito popular, jamais foi aceito pelos
mandatários ou dito em outros termos, pela classe dominante – o que nos
atinge diretamente –, está claro o nosso lado: os desterritorializados, os
“sem história”, os subalternos, os trabalhadores. Dessa forma, um encontro
de um coletivo com essa potência deveria restringir a discussão apenas às
políticas públicas (ainda que não seja pouca coisa)? Ou devemos também
debater os rumos da sociedade brasileira? O nosso encontro é sempre
político, não apenas porque vivemos em sociedade e estamos em relação, mas
porque fazemos parte desse mundo e estamos inseridos em um sistema perverso
que mesmo falido, pode levar o ser humano bancarrota.****

Com o que trabalhamos? Com o simbólico. Portanto, com a possibilidade de
crítica e de transformação do mundo. Somos, ou deveríamos sê-lo, a
contra-hegemonia. Hegemonia é mais um termo gramsciano, utilizado para a
discussão no campo da cultura; hoje a hegemonia está posta por uma minoria,
a classe de privilegiados que domina, impondo sua liderança moral e
intelectual. Os artistas de rua têm a possibilidade de ser
contra-hegemônico (e muitos são), porque pode apresentar um projeto
orgânico, a partir dos de baixo. Somos orgânicos, porque somos povo. A
cultura é um campo de disputa, na qual se pode construir – como afirmou
Eduardo Granja Coutinho em Comunicação e contra-hegemonia (2008: 9) –
“[...] uma visão de mundo capaz de resistir e se contrapor às ideias
dominantes”. Essa resistência político-cultural é o que Gramsci chamou de
contra-hegemonia.****

A dialética nos ensina que as análises devem partir do todo para as partes
e depois percorrer o caminho em ordem inversa. Logo, se quisermos ser
contra-hegemônicos é preciso saber o que ocorre no mundo, isto é, como as
“ditas grandes decisões políticas” chegam ao Brasil e como isso se reflete
em cada canto do país. A partir disso é possível traçar ações em nossas
localidades, ações do movimento como um todo e ações conjuntas com outros
parceiros.****

O capitalismo é voraz e se transforma rapidamente. Milton Santos, antes de
falecer já havia cantado a bola sobre as grandes migrações sociais e sobre
os fluxos técnico-informacionais, demonstrando a perversidade da
globalização, mas também das possibilidades. As perversidades são mais
obvias e já iremos discorrer sobre algumas. Quanto às possibilidades de
mudança: as culturas estão cada vez mais misturadas o que leva a uma crise
da hegemonia da racionalidade ocidental; novas tecnologias têm sido
apropriadas por camadas subalternas, possibilitando certa revanche
cultural. Esses são apenas dois aspectos das mudanças.****

No campo das perversidades, apesar do neoliberalismo insistir, tem
demonstrado a sua incapacidade de sustentação do capitalismo. No entanto,
as classes dominantes, aliado aos governantes das nações ditas
desenvolvidas e as em desenvolvimento, tem feito de tudo para sustentarem o
insustentável. O ataque inicial foi sobre as garantias dos trabalhadores (e
continua a ser, diga-se de passagem), bem como com a privatização e a
transferência de responsabilidades do Estado para a iniciativa privada –
daí a proliferação de organizações não-governamentais (ONGs, Oscips etc.);
depois, veio a radicalização com a financeirização econômica, levando a
sucessivas crises, até a crise estrutural que vem se arrastando desde 2008,
levando a quebradeira de vários Estados Nacionais, como Grécia, Espanha,
entre outros. Tudo isso vem sendo pago por quem sempre pagou a conta: os
trabalhadores. O Estado brasileiro também vem seguindo a receita ditada
pelo grande capital: está endividando a todos e desonerando as empresas,
que vem recebendo cada vez mais diversas benesses por meio da isenção de
impostos. Tudo em nome da competitividade da indústria brasileira. Além do
endividamento (que uma hora será cobrado), os trabalhadores vêm sofrendo
outros ataques, como, por exemplo, a desoneração das empresas deixará um
vácuo de R$ 7 bilhões na Seguridade Social. O Fundo do Regime Geral da
Previdência Social (que pode fazer uma distribuição de renda aos
trabalhadores) sofreu com o ataque das renúncias fiscais entre 2005 e 2011
um rombo R$ 114,25 bilhões (Cf. Le Monde Diplomatique Brasil, n. 62,
setembro de 2012).****

Se o campo técnico-informacional pode representar avanços para todos, já
que o conhecimento pode ser partilhado com maior rapidez e facilidade, as
ferramentas e as pessoas interessadas nisso vem sendo perseguidas com leis
reacionárias em países como os Estados Unidos da América, por exemplo. Por
aqui, parece que continuamos seguindo a ótica do “se é bom para os EUA, é
bom para o Brasil”, pois projetos de leis vêm tramitando no Congresso
Brasileiro para enquadrar a internet (Cf. Caros Amigos, n 184, julho de
2012). Afinal conhecimento no sistema capitalista é mercadoria. Quem quiser
ter acesso que pague. E é por essa via que o capitalismo vem se
reinventando, no campo do conhecimento, da cultura e das mazelas sociais.***
*

O capitalismo está se reinventando no campo do conhecimento porque vivemos
sob uma crise de superprodução e para vender um produto é preciso fazê-lo
sempre, já os saberes, não. Uma ideia depois de criada, pode ser vendida
indefinidamente. É nessa ótica que a economia criativa entra, sob o manto
de que qualquer um pode ser um empreendedor e ganhar dinheiro com suas
ideias. É essa a principal pauta do Ministério da Cultura, que já tem
modelo na sociedade, como “movimentos que pensam dentro do eixo”. No campo
das mazelas e na transmissão de responsabilidades ou na dita filantropia
capitalista, as somas “investidas” (melhor seria dizer ganhas) em grandes
ONGs internacionais são astronômicas. Michael Edwards, diretor de
governança da Fundação Ford, em artigo escrito por ele na Revista Fórum de
agosto de 2008, afirma que só nos EUA a soma para os próximos 40 anos giram
em torno de US$ 55 trilhões. Tudo isso para atacar os sintomas e não as
causas. Por fim, o dito acesso às universidades tem criado uma dívida para
os estudantes, muita das vezes, impagáveis em muitos países (Cf. Le
Mondesupracitado).
****

Dessa forma, conhecimento, cultura e as mazelas sociais, geradas pelo
próprio capitalismo, têm servido de fonte de lucro para os privilegiados de
sempre. E, por outro lado, o suposto acesso a formação e às migalhas
recebidas de instituições duvidosas, pacifica a todos, deixando a população
incapaz de responder a altura, posto ser freada na sua fúria. A arte é uma
forma de conhecimento e seus fazedores não podem se furtar a discutir todos
esses problemas, que são de todos. Quem está preocupado com os “rumos”
políticos precisa aprofundar a discussão sobre esses e tantos outros
problemas que estão postos para aqueles que visam criar uma arte
contra-hegemônica, uma arte que desvele o que parece natural. Para fazê-lo
é preciso não temer a discussão e nem o erro.****

“Uma andorinha só não faz verão, mas pode acordar o bando todo”, disse o
poeta Binho, por isso, é preciso disputar a subjetividade do nosso público,
tão massacrado com a perversidade da indústria cultural. Nossa arte não
pode repetir o que já está posto pelos veículos hegemônicos. Para isso é
preciso destrinchar todos esses problemas. Já para potencializar essas
ações, devemos escolher os parceiros, que no meu entender, são todos
aqueles que lutam por um mundo mais justo. Por fim, é tarefa de um encontro
como esse da RBTR, se não resolver, ao menos não fugir a esses desafios.****

Adailtom Alves Teixeira****


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