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segunda-feira, 22 de março de 2010

AS CENTENÁRIAS


Na minha última viagem à região do Cariri em 2007, acompanhei o trecho de um cortejo fúnebre na cidade do Crato; ao lado do caixão: familiares, amigos, vizinhos, e algumas senhoras bastante enlutadas chorando o morto e entoando seus cânticos, eram possivelmente carpideiras, mulheres que, principalmente no interior do Brasil, encomendam as almas dos falecidos e choram sobre seus corpos. Em “As Centenárias” Newton Moreno (do ótimo “Agreste”) conta a história de duas destas carpideiras (coincidentemente do mesmo Cariri), mostrando uma inusitada situação onde estas são chamadas para ‘carpir’, como dizem as próprias, um morto que ainda não morreu e nunca chega, como num mórbido “Esperando Godot” . Através de flashbacks, o texto mostra o encontro destas duas mulheres e algumas de suas aventuras em velórios. Construindo nos últimos anos sua identidade profundamente influenciada pela cultura popular, e repleta de brasilidade, o autor recifense vem desenvolvendo com grande mérito uma dramaturgia contemporânea regionalista, e no texto desta peça alia o bom humor popular (e sua certa ingenuidade) à poesia sobre a vida e a morte. Aderbal Freire-Filho dirigiu a montagem e optou por uma encenação circense, apoiado por uma cenografia-picadeiro dominada por mamulengos, e visivelmente pensada para o teatro de semi-arena, que com certeza aproximava e envolvia muito mais o público da montagem do que agora em que ela se encontra sobre o palco italiano. O diretor propõe ainda o ótimo revezamento do elenco em diversos papéis, e a manipulação de bonecos, criando um interessante efeito, em especial quando as atrizes manipulam seus fantoches. Sálvio Moll é a figura simbólica que acompanha todo desenvolvimento da ação, e também faz às vezes de contra-regra, exibindo ótima partitura corporal. A dupla Andréa Beltrão e Marieta Severo repete o sucesso com o humor que as popularizou na televisão, vindas de papéis densos em seus últimos espetáculos teatrais (como os excepcionais “A Prova” e “Os Solitários”), as atrizes divertem seu grande público como as protagonistas, que se diferenciam por delicados detalhes, e os diversos personagens secundários. “As Centenárias” é um tocante espetáculo, com belo texto que abre espaço para as artes de duas atrizes que reavivam a tradição popular.



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