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segunda-feira, 22 de março de 2010

BOM GOSTO EM NOVA VERSÃO

“O Lobo de Ray-Ban”, famoso espetáculo de 1987 estrelado por Raul Cortez, foi marcante na História do teatro brasileiro pela forma sensível como abordou o tema da bissexualidade, tabu ainda nos dias de hoje, e pela interpretação premiada do ator no polêmico papel do dono de uma companhia teatral, que lidava com os problemas e sentimentos envolvendo seu jovem amante, ator como ele, e sua ex-mulher, também atriz, os três envolvidos na representação de uma peça. Na mesma época o autor do texto, o ator e dramaturgo Renato Borghi, escreveu uma versão feminina da história, que ficou guardada por mais de vinte anos e finalmente está em cartaz: “A Loba de Ray-Ban”. Agora temos no centro da trama uma prestigiada atriz e empresária teatral que interrompe a apresentação do clássico grego “Medéia” surpreendendo os companheiros de cena: sua jovem amante, e o marido de quem se separou recentemente e que vai abandonar o projeto para se dedicar a uma telenovela. Em crise existencial e com algumas idas e vindas no tempo, a protagonista divide com o público-confidente suas angústias sobre os amores que sente, e também os encontros com seus pares, carregados ora de paixão e ora de ressentimentos, desembocando no confronto fatal, não por acaso a cena mais empolgante de todas. O pano de fundo do triângulo amoroso é o teatro onde eles representam as tragédias de seus personagens, e também seus dramas pessoais. Além de Eurípedes, passagens de outros nomes importantes da dramaturgia mundial surgem em cenas e citações, como Peter Weiss, Samuel Beckett, Jean Genet e Calderón de la Barca. As várias referências enriquecem e localizam o texto que, salvo quando recorre à altivez exagerada, tem a delicadeza e sofisticação como principais marcas, sendo uma afirmação do amor: ao teatro e ao que brota em volta dele. Conduzindo a encenação está mais uma vez José Possi Neto, responsável também pela primeira versão, que opta pelo caminho da austeridade e valoriza o caráter operístico da história, criando imagens de enorme beleza plástica aproveitando muito bem o deslumbrante espaço cênico, e extraindo de seu elenco grande força dramática. Christiane Torloni, que fez a ex-mulher anteriormente, é agora a protagonista absoluta, e interpreta sua grande atriz de forma intensa, com domínio de palco e uma entrega física admirável, divertindo e emocionando a plateia, da qual tem toda empatia. Outro remanescente da versão masculina (em sua passagem pelo Rio de Janeiro) é Leonardo Franco, que de amante passou à ex-marido, e apresenta um trabalho vigoroso, em especial na sua primeira aparição e na última cena. Maria Maya consegue extrapolar o tamanho de sua personagem e dá amplidão aos questionamentos da jovem atriz. Completando o elenco estão Renato Dobal e Ana Lopes Dias, respondendo bem por suas pequenas participações, tendo o primeiro um destaque maior. O bom gosto da montagem e a possibilidade de conhecer, pelo olhar feminino, um texto marcante do nosso teatro, merecem apreciação em “A Loba de Ray-Ban”.



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