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segunda-feira, 15 de março de 2010

PEÇA BALCÃO COMPLETA 40 ANOS

Peça inovou no espaço cênico e trouxe o primeiro nu masculino do teatro brasileiro. Tudo isso no final dos anos 60, em plena ditadura



Por Guilherme Genestreti, Redação São Paulo
 
No final dos anos 1960, enquanto o regime militar editava o AI-5 e amordaçava a liberdade de expressão, a cena teatral brasileira passava por uma de suas fases mais efervescentes: foi a época de produções marcantes feitas pelo Teatro Oficina e pelo Teatro de Arena, muitas das quais censuradas. Mas em termos de ousadia, nada se compara à montagem de “O Balcão”, peça que estreou no dia 29 de dezembro de 1969 e colocou o Brasil na vanguarda da experimentação cênica.

Como se não bastasse o teor altamente politizado do texto de Jean Genet, a encenação de “O Balcão” ousou também na reelaboração do espaço cênico, graças ao esforço de Victor García. Este encenador argentino já havia conquistado alguma reputação na França ao montar uma coletânea de textos de Fernando Arrabal intitulada “O Cemitério de Automóveis”, quando foi chamado pela atriz e produtora Ruth Escobar para dirigir esse mesmo texto no Brasil.
 
“O Balcão” foi o segundo experimento da parceria firmada. Para montar o texto de Genet, uma alegoria sobre as estruturas hierárquicas da sociedade, Ruth Escobar e Victor García idealizaram uma peça em que o público pudesse assistir a trama a partir da vertical. Partindo dessa concepção, os encenadores providenciaram a implosão da plateia de uma das salas do teatro e instalaram um vão de mais de 20 metros de altura, onde foi alojado o público. No centro do espaço, uma estrutura metálica com mais de 80 toneladas de ferro sustentava passarelas e plataformas nas quais se moviam os atores.

As palavras do cenógrafo Wladimir Pereira Cardoso, reunidas no libreto do espetáculo, descrevem o que foi o trabalho para construir aquela estrutura: “Dezoito pessoas e eu trabalhamos durante cinco meses, 20 horas por dia, para realizar o cenário de “O Balcão”. Todos dormíamos no Teatro Ruth Escobar, distribuídos até pelo teto”.

Além da proposta inédita pensada para o espaço, a montagem contava com fogos de artifício disparados em cena e inúmeros mecanismos cenográficos que conferiam ao espetáculo um toque especial, como gaiolas suspensas e até uma mesa ortopédica.

No elenco, Raul Cortez, Sérgio Mamberti, Célia Helena, Paulo César Pereio e Jonas Mello interpretavam os personagens que circulavam pelo bordel descrito no texto. O ator Rofran Fernandes se recorda que Cacilda Becker estava cotada para interpretar a protagonista assim que encerrasse a temporada de “Esperando Godot”. Mas a doença da atriz e a sua conseqüente morte naquele mesmo ano forçaram Ruth Escobar a assumir o papel da amiga.
Quarenta anos de vanguarda

Ruth Escobar e Victor García já haviam experimentado novas formas de espaço cênico – a peça “O Cemitério de Automóveis” foi realizada em um estacionamento desativado, e Ruth já havia transformado um ônibus em um palco –, mas nada de tão grandioso havia sido feito por eles. A repercussão da montagem produzida pela dupla foi tão grande que o próprio Jean Genet veio ao Brasil conferir o espetáculo. Não foi à toa que tanto Ruth Escobar quanto a sua montagem acabaram ganhando uma série de prêmios em 1970, inclusive o de Personalidade Teatral do Ano para a produtora.

Em cartaz por quase dois anos, “O Balcão” começou a enfrentar inúmeras dificuldades. Em primeiro lugar, o custo para operar toda a parafernália era extremamente alto e, a despeito do sucesso de público, não conseguiu ser inteiramente bancado. Além disso, a troca de atores começou a prejudicar o andamento das apresentações: se a uma semana de estrear, o ator Luiz Linhares já tinha sido substituído por Paulo César Pereio, durante a temporada foi a vez de Nilda Maria desfalcar o elenco – ela havia sido presa nos porões da ditadura.

Em 1971, as apresentações chegaram ao fim. Todo o material confeccionado para o cenário – que, segundo Rofran Fernandes, havia sido recolhido das obras de inauguração da praça Roosevelt – acabou virando sucata e o diretor Victor García retornou à França. Já Ruth Escobar manteve, naquele espaço, um foco importante de resistência política, denunciando nos palcos os tempos sombrios da política.



Elenco estrelado



Além de terem cogitado Cacilda Becker para o papel de “Irma”, a dona do bordel, a produção de “O Balcão” também foi atrás de outros atores aclamados para compor o elenco, vários deles já interessados em trabalhar com as inovadoras propostas de Victor García.

Luiz Linhares, já célebre nos palcos paulistanos, seria o “Chefe de Polícia”, mas desentendimentos entre ele e García o fizeram abandonar o espetáculo a uma semana da estreia. O ator substituto encontrado foi Paulo César Pereio, que era considerado muito jovem para o papel, mas acabou conquistando a confiança da produção ao encarar o desafio de construir o personagem em apenas uma semana.

Já Raul Cortez ousou em “O Balcão” ao protagonizar a primeira cena de nu masculino do teatro brasileiro. Sua mulher, Célia Helena, também no elenco, conquistou o prêmio de melhor atriz coadjuvante da Associação Paulista de Críticos de Teatro, o que foi compartilhado na categoria masculina com Jonas Mello.

Jofre Soares, Claudio e Sergio Mamberti, Luiz Galizia e o até então desconhecido Ney Latorraca completavam esse elenco.

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