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segunda-feira, 19 de abril de 2010

HOMENAGEM AMIR HADDAD

Caros amigos,


Amir Hadda e o Tá Na Rua receberam uma homenagem da assembléia Legislativa

do Estado do Rio de Janeiro pelos seus 30 anos de trabalho ininterrupto.

Repasso mais um texto que o Amir acabou de produzir referente a esta

homenagem .... fresquinho, fresquinho!



Boa leitura!



Licko Turle





Pequenas grandes reflexões à respeito das políticas públicas na área da

Cultura e das relações do Poder Público com a manifestação Cultural, feitas

a propósito da “Moção de Aplauso” concedida a mim e ao Grupo Tá na Rua,

pelo deputado Alessandro Molon, presidente da Comissão de Cultura da

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.





ÍNDICE



I- O significado desta homenagem

II- Cultura- Políticas de repressão ou estimulo?

III- Conclusão



Anexo I – A cidade do Tá na Rua

Anexo II – Cartas à Exma. Snra. Secretária de Cultura da Cidade do

RJ: Jandira Feghali













I



O SIGNIFICADO DESTA HOMENAGEM



O FATO





O fato de um representante do poder legislativo do Estado do Rio de Janeiro

prestar

homenagem a um representante da sociedade civil, especificamente da área da

cultura, tem para mim muitos significados.



O primeiro de todos e,talvez, o mais importante é o “democrático”.



Ao homenagear-me quiz o Deputado certamente abrir-me um espaço em sua casa,

que

de resto é a casa do povo do Rio de Janeiro, para expor um pouco de minhas

idéias a respeito do momento que estamos vivendo na cidade, no que diz

respeito às questões

Culturais e que papel estas podem representar na construção de um governo,

como um

todo. Sua atitude procura corrigir um erro do exercício de democracia em

nossa cidade,

onde parece não haver espaço para qualquer pensamento de oposição ou que

não esteja,

pelo menos aparentemente, de acordo com as políticas públicas anunciadas.

Desde que nenhuma voz se levante para contestar nada.



Ao abrir-me esta tribuna, o Sr. Deputado parece estar querendo dizer: “Sr.

Haddad,

cidadão carioca, sem título, sem cargo e sem poder, suas idéias, por pior

que possam

parecer podem ser importantes para a nossa sociedade e merecem ser ouvidas e



consideradas. O homem público, tanto do executivo quanto do legislativo, tem

que ter

ouvidos para a voz do cidadão sem poder, que afinal ele está representando

quando

chega ao poder, e por isso, quero abrir para o Sr. um espaço neste pavilhão

do governo para expô-las e submetê-las ao julgamento dos meus pares e da

sociedade civil, aqui hoje presentes, e que afinal nós representamos.”





Sr. Deputado, espero não estar colocando palavras erradas em seus lábios.

Sua atitude

revela uma boa prática democrática. E aqui estou eu, dialogando com meus

parceiros da



sociedade civil, companheiros de ofício, e outros parceiros de outros

setores da

sociedade e do poder público, tentando me fazer entender, e aos meus

sentimentos

quando chego aqui para esta homenagem.





Além do espaço para falar, quero também agradecer por me proporcionar a

possibilidade, rara e difícil, para um cidadão livre no país, de ampliar o

alcance da sua

voz. Nós conhecemos as artimanhas da democracia quando ela não quer ser

democrática. É o mais terrível dos adversários, pois é um controle invisível

mas insuperável.



Estamos aqui inventando um jeito de reinventar a democracia, e dar voz aos

que tem o que falar, mas não encontram o seu espaço.





O outro significado importante de seu gesto, que eu percebo, diz respeito

às relações

que se estabelecem entre Estado e Cultura, entre Poder e Sociedade Civil, e

suas

conseqüências.





A cultura, e a própria vida cultural não é e não pode ser uma função estatal

O próprio

Estado é produção cultural da sociedade civil; nós o inventamos e o criamos

deste jeito

e iremos mais tarde modificá-lo de acordo com nosso crescimento e

desenvolvimento

cultural, quer queiramos ou não.



O Estado apenas zela e estimula da melhor forma possível: possibilita e

viabiliza o crescimento Cultural. Apesar disso as relações que se

estabelecem entre Estado e Sociedade Civil, entre Poder e Manifestação

Cultural são desproporcionalment e frágeis, quebradiças e distantes,

equivocadas.



Este ato nesta casa parece querer diminuir a distância que existe entre a

vida política e a

vida cultural.



Isto é mais importante do que parece.





Eu sou um representante de importante setor da vida pública brasileira, que

raramente

tem voz, embora tenha muito para dizer, e que agora tem a oportunidade de

ocupar uma

tribuna. Minha simples presença aqui já é repleta de significado.





Percebo neste ato do legislador, o reconhecimento de que o poder constituído

dá pouca

importância à tentativa de uma maior inclusão das questões da cultura na

gestão da

coisa pública, e ao me homenagear parece querer dar um passo para remediar

este mal,

este defeito da democracia, mas principalmente para denunciá-lo e deixá-lo

evidente,

para que pensemos sobre isso tudo. Se ele não pensou isso tudo não importa.

Eu pensei

e o ato tem esta importância.



A Cultura no Governo não deveria ser apenas um nicho do Executivo na gestão

da coisa pública, mas parte mesmo de seu organismo, de seu sistema de

artérias e articulações.



Uma boa relação e constante interação entre os homens ditos públicos e

aqueles da vida

cultural do pais, estes sim verdadeiramente públicos, em qualquer nível,

será sempre

enriquecedor para ambos.



O reconhecimento do governo, de que a criação de uma política cultural para

o pleno

desenvolvimento da nação é tão importante para o país, quanto a criação de

políticas para o pleno desenvolvimento econômico, e que um depende do outro,

este reconhecimento, repito, é tão relevante para o país quanto os artistas

a vida cultural e a manifestação cultural, em toda a sua extensão, terem,

cada vez mais, compreensão de que estas atividades estão mais e mais ligadas

ao mundo em que vivemos, e com ele interage. E que, portanto, nossos atos e

ações produzem conseqüências negativas ou positivas, em relação ao nosso

desenvolvimento, quanto pior ou melhor for nossa consciência a respeito.





E que, de uma certa maneira, nós também somos governo, e que portanto

devemos

trabalhar para nós mesmos, é evidente, mas não podemos minimizar a

importância de nossa atuação na vida pública.



A máquina social e suas engrenagens não avançam sem a lubrificação

apropriada da



vida cultural. Da qualidade do óleo a qualidade da vida, da máquina e de

suas

engrenagens.





Então, espero que esta homenagem, a mim concedida, possa significar a

possibilidade de um contato maior entre os seres humanos que fazem política

e os que fazem ou produzem cultura. Seria bom para ambos.







As Secretarias de Cultura não aproximam os políticos da vida cultural. Elas

fazem

políticas de governo, e mudam de governo para governo; e os políticos parece

que

pouco se importam com isso, como se a questão cultural não fosse relevante e

não

merecesse ser levada em conta, e considerada por todos que cuidam da coisa

pública.



Não quero também ser injusto: muitos homens públicos gostam, isto sim, dos

artistas,

de sair junto com eles, de aparecer com eles. Mas não é disso que eu estou

falando. Veja

o caso da Madona, por exemplo. Todo mundo pousou no ombro dela.



O mundo da política absorve muito, e não sobra tempo paro o mundo da cultura

E vice-

versa também é verdade. Muitos de nós, da área da cultura, não queremos nem

saber de

política, nem de ética, nem de cidadania, porque verdadeiramente achamos que

não dá

tempo para tudo isso.



Por isso, acho este momento aqui, talvez histórico.



Estamos nós aqui, do mundo da cultura, do movimento, da transgressão, da

profecia e

da utopia, nesta casa, em contato com aqueles que tem a função de perceber

as



modificações e necessidades que a própria vida cultural vai nos revelando e

fazer leis

que garantam a continuidade do processo de criação de uma sociedade mais

justa e

humanitária para o país. Romper com a cultura é uma forma de avançar com a

Cultura

assim como romper com as leis é uma maneira de avançar com as leis que

organizam

nosso convívio social. Nenhuma lei pode ser eterna. E não o é.



A cultura, antes que tudo e todos, anuncia a modificação e o

desenvolvimento, porque se liga ao afeto.



Perceber a dinâmica de crescimento, e modificação da vida social, através da

Cultura, é

essencial para o estabelecimento de políticas públicas justas e adequadas.

Governar ao arrepio da Cultura é correr o risco de estabelecer políticas

arbitrárias e corretivas sobre uma sociedade que está sempre em processo de

evolução e transformação. Substituir vida Cultural por produção cultural,

pode acabar por, definitivamente, massificar e esterilizar a melhor produção

cultural.



A produção do bem artístico esmorece numa sociedade estagnada e esterilizada

e seu

povo perde sua própria alma, ficando sujeito a todo tipo de possessão

demoníaca, e

manipulação diabólica. A catástrofe, o Anti - Cristo, o apocalipse.



A Cultura pode ser um elemento iluminador das práticas governamentais, e

seus

representantes deveriam ser consultados, antes do estabelecimento de toda e

qualquer

política que diga respeito à população (acho que todas dizem): da construção

de um

viaduto, à elaboração de uma campanha sanitária, à políticas públicas de

Saúde e

Educação. E principalmente na construção de cidadania.



Com quantos cassetetes se faz um cidadão?



Com a iluminação da consciência ou com o apagão da repressão e do arbítrio?







Pode o Estado se julgar puro, limpo e imaculado? E o cidadão sujo,

emporcalhado e

inconseqüente?



Pode o Estado ignorar a Cultura? A vida Pública?





A manifestação Cultural é o melhor sintoma de resistência `a doença que

nossa

sociedade produz, e ela, a manifestação, precisa ser localizada e estimulada

para que a

própria sociedade produza seus anticorpos e desenvolva seus sistemas

imunológicos,



auto-sustentados, ou sustentáveis.



Manifestação Cultural e Saúde são coisas intimamente relacionadas. Um povo

que se

expressa, é certamente um povo mais saudável. Se conhece, se orienta, e

melhor se

defende dos ataques a sua identidade e sua saúde.



Assim achamos, por exemplo, que toda Secretaria de Saúde deveria ter em sua

estrutura

um setor avançado dedicado às questões culturais e suas relações com a Saúde

Pública.





Este setor garantiria a Saúde, entre outras coisas, a localização dos

“focos” de resistência cultural ou “focos de Saúde”, em todas as áreas do

município e se encarregaria de estimulá-los e fazê-los crescer, como

complemento às políticas públicas de saneamento e cidadania responsável. Se

estaria assim dando mais importância aos “focos de saúde” que aos “focos de

doença”, que é como estamos acostumados a trabalhar, para deleite dos

grandes laboratórios e da repressão violenta.





Investir na manifestação da vida, esteja ela onde estiver, é investir nos

“focos de saúde” para dar combate aos “focos de doença”. Fortalecer o

organismo social para que ele fique mais imune aos ataques que sofre, numa

sociedade injusta e hierarquizada

como a nossa. Trabalhar, tratar a doença através da saúde.





Mas também não somos ingênuos a ponto de acharmos que a Cultura é a grande

panacéia que a tudo vai sanar.



Sabemos que a vida cultural também não está acima do bem e do mal, e que há

tipos de

programas e políticas culturais que, por equivocadas, ou mesmo de ma fé ou

inconseqüência ideológica, poderão trazer grandes malefícios `a sociedade se

não

tiverem sobre si um olhar que questione, rastreie esses efeitos, benéficos

ou maléficos

no meio social.





Nem tudo que é chamado cultura é bom para a saúde, e nem todo produto

cultural é

saudável. E o meio cultural é o mais permeável às infiltrações e controles

ideológicos,

efetuados através da emoção inespecífica.





Muitas vezes, todos nós sabemos, este efeito e é arrasador para a identidade

e a vida de uma cidade.



Para compensar achamos, portanto, que toda política cultural deveria passar

por um olhar esclarecido de setores avançados da área de Saúde, para ser

saneada de seus conteúdos insalubres.



Assim, toda Secretaria de Saúde deveria ter em sua estrutura um setor

importante, que

desenvolvesse um “olhar da saúde” sobre políticas culturais a serem

oferecidas às

populações. Muitas vezes estas políticas se parecem com aquelas “bolinhas”

que

antigamente se ofereciam aos cachorros, saborosas e atraentes por fora e

venenosas e

cáusticas por dentro.



É essencial um “olhar da cultura” sobre a saúde, assim como é essencial um

“olhar da Saúde” sobre a Cultura. Questão de mais vida ou mais morte.



Políticas de salvação, redenção, cura, desenvolvimento ou técnicas de

envenenamento

ideológico progressivo, e manipulação mercadológica.





Então, quero crer que, quando um deputado como o Sr. Molon,homenageia em sua

casa

de trabalho uma pessoa como eu, totalmente voltada para as questões da

Cultura e seu

papel nas transformações sociais, quero crer que ele reconhece na Cultura

uma ferramenta capaz de ajudá-lo a construir um mundo melhor, e quer que nós

da Cultura

consideremos este lugar histórico também a nossa casa.



Não pode o legislativo ignorar os problemas da cultura, como se fossem

apenas questões do executivo ou da sociedade civil, entregues às

turbulências do mercado. Nem nós da cultura ignorarmos os movimentos da

política.



Democracia e diálogo com a Cultura.



Estes me parecem os dois aspectos mais importantes que eu vejo nesta

homenagem que

querem nos prestar, nesta casa onde nossos destinos são determinados.



Para terminar, citando o professor Nelson Vaz, eminente cientista brasileiro

quero dizer

que estou “pessimista em minhas convicções mas absolutamente otimista em

minhas

ações.”



Obrigado a todos e ao ilustre deputado pela oportunidade de poder falar para

todos,

aqui desta casa do povo, que tem o nome do Tiradentes, mártir da possível

Independência.











II



A Cultura







Política de repressão ou de estímulo?





A Cultura



Encarar a vida cultural como produto, e não como manifestação, sufoca o

processo

criativo dos cidadãos e divide a sociedade.



É a cidade que se manifesta. Ela tem, quer e reivindica este direito. Dele

depende o

crescimento e desenvolvimento de seus cidadãos.



E, além do mais, uma cidade assim terá uma capacidade muito maior de

produção artística, com valor comercial, do que de outra maneira. Os

produtos artísticos, porque genuínos, acabariam por ter inevitavelmente

maior qualidade, melhorando também, por sua vez, seus produtores e seus

consumidores, fechando assim o círculo de importância da Manifestação

Cultural na vida das cidades, além de servir como solução parcial, porém

real, para o impasse e a terrível violência que produzimos e com a qual não

sabemos mais o que fazer, levando-nos a desesperadamente combater o violento

com a violência, deixando-nos sem armas para combater a violência,

combatendo-a com a própria violência, em nome de uma ordem desprovida de

qualquer conteúdo, a não ser ela mesma, e que se basta a si mesma.





Mais artistas na rua é pior do que mais policiais? Qual é a “ordem pública”

que a

Cultura saberia mais apreciar e qual é a que a ela se opõe?



A Cultura quer uma ordem pública que não só garanta a Manifestação Cultural

livre em

todos os bairros, em favelas, em praças e terreiros, e igrejas, e clubes do

Rio de Janeiro,

mas que também salvaguarde os costumes, tombe bens imateriais, preserve

modos e

estilos de vida, etc. etc.









O Rio de Janeiro é uma cidade que se presta a este Sonho de Utopia Social e

Racial,

o sonho de criar uma cidade onde o cidadão tenha uma real possibilidade de

crescer, se desenvolver e ser feliz.





Alguma outra cidade do mundo, mais que o Rio de Janeiro, por sua localização

clima

paisagem, disposição urbana, relevo, e principalmente por sua riquíssima

miscigenação

étnica, alguma outra cidade poderá oferecer ao mundo uma outra

possibilidade?





Nosso atraso nos permite sair na frente! Porque não sairmos na frente em

vez de irmos atrás como ignorantes, cãezinhos obedientes e com pouco

discernimento?





Não será possível olhar para o Rio de Janeiro e vê-la, com orgulho, como

modelo único

de cidade brasileira?









O Brasil é tão melhor, meus amigos. Do que Oslo, na Noruega, Londres na

Inglaterra

( que matou um brasileiro porque se parecia com um árabe) ! De Miami, do

crime e do jogo!





Que mais que nós queremos afinal? Detroit, Nova York, Chicago?



Por isso é desejável que os homens e mulheres que estabelecem as políticas

públicas

desta cidade tenham fortes laços com a sociedade civil e sua manifestação

cultural.



Estas questões são essenciais para planejarmos qualquer política de

desenvolvimento, e os políticos não deveriam ignorá-las.





Por isso também não é indiferente quem seja o titular da Secretaria de

Cultura das

Cidades.





As Secretarias de Cultura, em qualquer município ou estado deveriam ser

encaradas

como equipamentos estratégicos para o desenvolvimento da cidadania e da

Identidade

Cultural.



Freqüentemente são

confundidas com esportes, lazer, turismo. E embora elas sejam

tudo isso e muito mais coisas, como Educação e Saúde, a maior parte das

vezes ela é

encarada como peça menos importante para o grau de desenvolvimento humano do

cidadão.



E muitos vezes, usada apenas como moeda de troca para saldar eventuais

compromissos políticos dos governantes eleitos, que geralmente não têm a

cultura como elemento importante na sua abordagem do mundo, ou em seu

programa de governo.



Mas as Secretarias de Cultura deveriam prestar assessoria e consultoria a

todos os

Setores responsáveis pela gestão das coisas públicas.



No esporte, no turismo, no lazer ou Educação (como nos CIEPs do Dr.

Brizola) na Saúde,onde os horizontes talvez mais se confundam, tão ligada

está uma coisa na outra.









III





CONCLUSÃO





Além da Medalha da Ordem do Mérito Cultural recebida do presidente Lula,já

tenho a Medalha Pedro Ernesto, do Município, já tenho o título de Cidadão

Carioca, e agora esta homenagem e o aceno para o título de Cidadão

Fluminense. Este é um troco magnífico que recebo por amar esta cidade e seu

povo, e por me embeber de sua cultura, trabalhando em contato diário com a

sua população há 30 anos, pelas suas ruas.





Aqui é nosso berço. Da etnia carioca, de sua mistura, nasce nossa

identidade, de sua

ética popular nasce nossa estética. Queremos estar vivos e queremos que

esta cidade

permaneça viva dentro e fora de nós. Nós também morremos quando a cidade

morre.



E estamos nos sentindo agonizantes como nunca nos sentimos, nem mesmo nos

piores

Momentos da ditadura. Quero me orgulhar de ser carioca e de todos os títulos

que recebi

ou vier a receber. Não quero me sentir criminoso só porque sou carioca e

vivo aqui.





A ditadura fazia com que cada cidadão fosse tratado como possível inimigo

pela polícia

Militar. Sempre fomos perseguidos, nunca protegidos. Depois de tanto tempo

achava

que estávamos livres desta sensação de culpa e desta desagradável

experiência de

“liberdade consentida”, depois de tantos anos de luta e resistência à falta

de liberdade

da ditadura. Falta de liberdade e liberdade consentida, por decreto ou

regulamento são

faces da mesma moeda, da intolerância e do arbítrio. O fascismo aumenta num

mundo

em crise, diante de uma civilização que se desmorona diante de nossos olhos,

como o

Terremoto do Haiti. A Cultura nos ajudará a reconstruir um mundo novo,

nascido das

Cinzas deste que se acaba. Em todas as partes do planeta há sinais de vida

nova,

ao lado dos terríveis e dolorosos sinais da decadência. Cabe a nós agora,

escolher a que

deuses queremos fazer oferendas. Àqueles de um mundo em decomposição, que se



recusa a admitir sua decadência, ou aos outros que nos revelam caminhos

iluminados

por uma possível esperança?







Amir Haddad











ANEXO I





A cidade do Tá na Rua





Algumas ligeiras considerações a respeito da cidade do Rio de Janeiro, e as

políticas públicas que parecem estar esboçadas para ela, em preparação

para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.





A visão e a experiência do Grupo .



Como estarão sendo trabalhadas as questões da Cultura no município do Rio de

Janeiro,

pensando na Copa e nas Olimpíadas?



Já deveríamos estar ouvindo notícias destes planejamentos, assim como

ouvimos falar

de ruas, viadutos, estádios, e principalmente polícia e segurança.



Isto significa o que? Que teremos daqui a pouco um Rio de Janeiro limpo,

com as ruas controladas e vigiadas, e com muitos policiais espalhados,

uniformizados ou não, e milhares de câmaras, bisbilhotando cada recanto

desta maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, com tantos lugares bonitos para

se estar e namorar, e beijar?



Aí eu me pergunto, como o poeta da Vila: com que roupa, com que roupa que

eu vou ao samba que você me convidou? Uma cidade com muita polícia na rua é

melhor que uma cidade com muitos artistas? E que tal uma cidade com muitos

artistas, e a polícia ajudando?



E que tal uma cidade onde o cidadão não seja criminalizado, e a polícia não

nos persiga como se fossemos criminosos, pelo simples fato de sermos

vítimas inocentes do apartheid social em que vivemos.



O Grupo Tá na Rua há 30 anos se esforça por ocupar os espaços, cada vez

menores, para o seu exercício de liberdade e poesia na cidade onde vivemos.

Nunca estivemos tão

comprimidos como agora, a ponto de necessitarmos declarar publicamente nossa

insatisfação com as políticas culturais que desde já começam a se plantar

na cidade do

Rio de Janeiro.



A que mãos estaremos nos entregando neste momento tão importante na vida da

cidade e do país?





Ordem Pública e Cultura de mãos dadas. As duas unidas para coibirem. Não

seria

melhor se ordem pública cumprisse sua função de garantir segurança para a

manifestação cultural livre nos espaços também livres da cidade?

Antes que

desapareçam?



Em que mundo estaremos vivendo quando a função dos órgãos da Cultura for a

manutenção da ordem pública? Que olhar teremos então para os artistas e

seus produtos, e as manifestações populares? O sonho de um mundo puro,

imaculado, higienizado já foi tema de muitos filmes, muitas histórias,

livros, romances.

O ser humano já viveu esta aventura saneadora e higienizante várias vezes.

Impõe-se sempre a diversidade.





E neste sentido o Rio de Janeiro é o melhor lugar do mundo para começar a

tentar desenvolver o modelo de cidade luminosa, antes que seja tarde

demais. Porque não!!?!!?



A.H









ANEXO II



CARTAS A SENHORA SECRETÁRIA DE CULTURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: JANDIRA

FEGHALI





Baixar o anexo original

Carta Aberta à Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro



Senhora Secretária



Gostaria de deixar aqui escrito uma tentativa de descrever os sentimentos

que me ocorreram, e pensamentos que tive quando entrei em contato com o

texto do Decreto.(?!? )

Talvez tenha de me demorar um pouco sobre este assunto, pois ele é de

capital importância para o momento e para o mundo em que estamos vivendo e

acredito que ninguém, muito menos eu e a Senhora Secretária, podemos ou

devemos fugir dele. Espero não ser interrompido como fui no nosso breve

encontro anterior,

Assim vamos lá.

Eu tinha ido para esta reunião com o artigo 5° da Constituição em minha mão

, para declamá-lo diante de todos, pois para mim era esta a verdadeira

razão daquele encontro. Liberdade de expressão.

Art. 5°, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato;

Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,

científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 5°, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do

sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a.

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer

restrição, observado o disposto nesta Constituição.



Porem, ao ler o Decreto fui agradavelmente surpreendido e desarmado por

ver seu artigo 1°, que citava justamente este artigo da Constituição.

Respirei aliviado. Estamos no mesmo barco, pensei eu.



Mas nos artigos, incisos ou alíneas ou parágrafos seguintes, ou não sei

bem o que é, o que estava escrito era uma seqüência de requisitos que eu

deveria cumprir para que pudesse usufruir desta liberdade constitucional.

Condições sem as quais eu não poderia exercer meu direito de cidadão livre.



Então eu estava livre, mas não estava muito. Eu era uma pessoa que estava

presa e agora ia ser agraciado com a benesse da liberdade condicional.

Estava ali me sendo oferecida a liberdade, sob determinadas condições que

eu deveria cumprir e respeitar, sob pena de novamente voltar a prisão. O

meu mal-estar cresceu quando compreendi que a discussão teria que ser

mais profunda e inquietante do que eu imaginava. Não estava diante de

pessoas que estavam pensando o mundo como eu. Embora a Senhora Secretária

tivesse afirmado que, por ser comunista sabia já das coisa que eu estava

começando a dizer, na prática esta teoria não se confirmava. Íamos ter que

discutir mais do que pensávamos, e não havia tempo para isto. Havia mais

coisas em jogo ali do que simplesmente nossas boas intenções, em relação ao

bem-estar da cidade e de seus cidadãos. E de que maneira a boa gestão de

políticas - públicas para a Cultura poderia contribuir para isto. A cidade

não estava em jogo, nem o seu cidadão, e sim a necessidade de aprovar

urgentemente, não sei porque motivo, aquele documento regulatório e

contraditório das atividades em áreas públicas, que estava diante de mim.

E eu, senhora Secretaria, sem voz e imobilizado, nada podia fazer, a não ser

pedir um tempo para pensar e propor alguma reflexão e discussão, a respeito

desta questão tão importante, já que, aparentemente, não estávamos ocupando

posições semelhantes diante do problema.

E assim, a discussão com os interessados que deveria ter sido feita, antes

até mesmo da elaboração do Decreto, e que iria ajudar nesta elaboração,

teria que ser feita ali naquela hora, sob pressão política e de prazo.

Companheiros da Rede de Teatro de Rua do Rio de Janeiro tinham várias vezes

antes tentado contato, sem êxito, com esta Secretaria.

Nós não achávamos que uma questão tão importante podia ser discutida às

pressas; e continuamos achando que não, dadas a sua importância e

atualidade. É realmente uma questão de tempo, Senhora Secretária. E não

podemos ser levianos e inconseqüentes a este respeito, pois o que for

decidido aqui no Rio de Janeiro vai repercutir no Brasil inteiro, e nós

estamos no momento de avançar em nossas conquistas de liberdade. Sempre

que os governos não conseguem equacionar seus problemas sociais a liberdade

é a primeira a ser sacrificada. Podemos estar “distraídos” diante disto

tudo? O muro de Berlim resolveu o problema da liberdade? O dia da

Consciência Negra resolveu o problema do apartheid social e racial da

sociedade brasileira? É possível distrair, descansar?

Senhora Secretária, esta Secretaria acho que ainda tem um departamento

de Patrimônio que foi criado na gestão do Antonio Pedro Borges, a frente da

primeira Secretaria de Cultura, do Rio de Janeiro. Pois bem, Senhora,

todos nós sabemos que Santa Teresa é uma APA- Área de Proteção Ambiental;

e que todos nós, gestores públicos e cidadãos, devemos zelar pela sua

integridade e identidade. A Senhora já viu o caos em que estão se

transformando as ruas e ladeiras de Santa Teresa? A qualidade de vida do

bairro é cada vez pior, o morador se ressente, enquanto floresce um

comercio, que só remotamente beneficia o bairro e seu morador. Os carros,

veículos de todos os tamanhos e pesos, sobem e descem suas ruas e ladeiras

indiscriminadamente , em qualquer direção, sem nenhum regulatório. Lá não

precisa? Uma vez só estiveram lá, que eu saiba, para obrigar o proprietário

de um bar-mercearia a recolher duas mesas da calçada, onde eu e outros

moradores há 30 anos costumamos nos sentar para conversar, sermos amigos,

cidadão, convivermos. Coisa rara em qualquer lugar do Rio de janeiro.



O choque de ordem fez recolher cadeiras e mesas onde a vida comunitária se

estabelece, e onde pode nascer um remédio para a violência que nos deixa

desolados, numa cidade tão linda como a nossa. E deixa a tragédia

anunciada se aproximar cada vez mais!

O que está acontecendo ou querendo acontecer com o Teatro de Rua não é

parecido com o que aconteceu com as cadeiras e mesas de Santa Teresa?

A senhora não acha, Senhora Secretária, que tudo isto tem a ver com a

Cultura? Que a Cultura tem a ver com identidade e qualidade de vida? Que

qualquer política “regulatória” teria que ser submetida à apreciação da

Secretaria de Cultura e a Secretaria de Saúde? Para evitar atitude e

procedimentos que em vez de resolver, transformam a cidade e a vida do

cidadão em tristeza, depressão e mais violência? Não é esta a função da Vida

Cultural na construção da nossa identidade e cidadania? Não só na teoria,

mas também na prática?

Senhora Secretária, pela regra do Decreto, meu grupo de Teatro, o Tá na Rua,

não poderá ir nunca à rua, pois não se encaixa em nada do que o decreto

pensa. Quem o redigiu tem pouca familiaridade com a questão, embora possa

ter tido empenho e boa – vontade.

Assim como eu, outros artista de rua não preparam com antecedência suas

saídas, e muitas vezes saímos a rua sem saber onde iremos parar. Nem dia,

nem hora, nem local. E nunca obstruímos nenhuma praça, nenhuma rua, nunca

prejudicamos nenhum comerciante, nem nunca perturbamos o sono de ninguém ou

o trânsito.

O básico de nosso trabalho é o respeito à população e ao seu direito de ser

feliz, participando da vida cultural da cidade. Nunca iríamos fazer ou

fizemos coisas que ferissem a ordem pública, a verdadeira ordem pública, não

a ordem de uma gaveta vazia. Atitude que não parece ser a que subjaz

nestas medidas regulatórias abstratas, em nome de uma ordem também abstrata.

Sanear, higienizar não é organizar. Nós precisamos de apoio, estimulo, e

incentivo, não de organização aleatória e indiscriminada.



Nunca desistimos de nossa cidadania, pois amamos a cidade e seus cidadãos,

sem distinção de classe, cor, credo, idade ou religião. O nosso maior prazer

é respeitar o cidadão. Nós queremos ser parceiros do poder público na

construção de uma sociedade melhor. Não devemos ser tratados como presos em

liberdade condicional. Nossa liberdade foi conquistada ao longo de séculos

e de lutas e nossa liberdade não pode ser concedida. Ela tem de ser

reconhecida. Não posso me imaginar em praça pública somente se

estiver autorizado pela autoridade. Eu abandonei tudo por amor à cidade.

Sou cidadão carioca emérito. Não me tirem agora a cidade. Senhora

secretária, não deixe isto acontecer. O momento é histórico e importante. O

que fizermos agora vai, como já disse, repercutir em todo País. Se

decidirmos bem, ficaremos todos, nacionalmente um pouco mais alegres. Se

perdermos a oportunidade estaremos fazendo como aqueles que querem a todo

custo tirar a esperança do Brasil. Agora que estamos crescendo, produzindo

auto-estima que poderá iluminar o aparecimento da nação brasileira.



Podemos fazer historia Senhora Secretária, ou sermos atropelados por ela.



Creia-me um seu admirador e antigo eleitor.

Obrigado pela atenção.



Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2009

Amir Haddad





P.S - A título de pós –escrito uma sugestão de procedimento para o manejo e

crescimento do Teatro de Rua na cidade do Rio de Janeiro.

Sugerimos que:

Para sair às ruas, os grupos de Teatro, cadastrados ou não, deverão apenas

comunicar a um Setor de Teatro de Rua, que deverá ser criado pela Secretaria

que espaços pretendem ocupar e a partir de que hora.



O Setor, então, deverá informar ao comunicante as condições do local, para

orientação do grupo. E, sempre que necessário, enviar para lá uma

equipe da Prefeitura, que se encarregará da limpeza da praça e de sua

segurança, para que nossos artistas possam cumprir sua tarefa em paz. Se

houver necessidade de energia elétrica o Setor deverá providenciar junto à

Rio Luz a localização e a utilização do ponto de luz mais próximo, sem

ônus para o grupo.



A Guarda Municipal que estiver na região deverá ser estimulada a

proteger e assistir o espetáculo. Eles já fazem isto, porem com medo de

serem castigados. Terão assim melhorado sua qualificação para a função a

que se destinam.



O cadastramento dos grupos deverá ser feito junto à Rede de Teatro de

Rua do Rio de Janeiro, que se encarregará de manter atualizado o cadastro

do Setor de Teatro de Rua da Secretaria.





O grupo não cadastrado que comunicar seu trabalho ao Setor da Secretaria

estará automaticamente cadastrado e suas características ( nome, formação,

origem) deverão ser comunicadas a Rede que irá entrar em contato com eles,

para vinculá-los ao movimento nacional do Teatro de Rua.

Sei que os representantes da Rede Estadual de Teatro de Rua têm pensado

nisso que vou expor e que acho excelente.





Há grupos que além de andar por vários pontos da cidade, mantém o vinculo

permanente com as praças e comunidades onde têm suas sedes. Assim seria

interessante se este grupos se encarregassem da ocupação e programação das

praças onde estão sediados, ali desenvolvendo atividades permanentes com

apoio e cooperação da Guarda Municipal. Alguns de nós já fazemos isto, mas

sem nenhum apoio, estimulo ou segurança.

Poderemos melhorar, e muito, a vida na cidade, na região onde habitamos.

Sonhamos como uma cidade feliz e iluminada pela esperança.

A Secretaria de Cultura pode trazer saúde para a população carioca.

Não queremos poder, mas sim colaborar para a construção da esperança.



Trabalhamos no presente para um outro futuro, possível.

Atenciosamente

A. H





CARTA 02

Senhora Secretária





Gostaria de deixar aqui escrito uma tentativa de descrever os sentimentos

que me ocorreram, e pensamentos que tive quando entrei em contato com o

texto do Decreto.(?!? )



Talvez tenha de me demorar um pouco sobre este assunto, pois ele é de

capital importância para o momento e para o mundo em que estamos vivendo e

acredito que ninguém, muito menos eu e a Senhora Secretária, podemos ou

devemos fugir dele. Espero não ser interrompido como fui no nosso breve

encontro anterior,



Assim vamos lá.



Eu tinha ido para esta reunião com o artigo 5° da Constituição em

minha mão , para declamá-lo diante de todos, pois para mim era esta a

verdadeira razão daquele encontro. Liberdade de expressão.



Art. 5°, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato



Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,

científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 5°, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do

sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a.

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer

restrição, observado o disposto nesta Constituição.





Porem, ao ler o Decreto fui agradavelmente surpreendido e desarmado por

ver seu artigo 1°, que citava justamente este artigo da Constituição.

Respirei aliviado. Estamos no mesmo barco, pensei eu.



Mas nos artigos, incisos ou alíneas ou parágrafos seguintes, ou não sei

bem o que é, o que estava escrito era uma seqüência de requisitos que eu

deveria cumprir para que pudesse usufruir desta liberdade constitucional.

Condições sem as quais eu não poderia exercer meu direito de cidadão livre.





Então eu estava livre, mas não estava muito. Eu era uma pessoa que estava

presa e agora ia ser agraciado com a benesse da liberdade condicional.

Estava ali me sendo oferecida a liberdade, sob determinadas condições que

eu deveria cumprir e respeitar, sob pena de novamente voltar a prisão. O

meu mal-estar cresceu quando compreendi que a discussão teria que ser

mais profunda e inquietante do que eu imaginava. Não estava diante de

pessoas que estavam pensando o mundo como eu. Embora a Senhora Secretária

tivesse afirmado que, por ser comunista sabia já das coisa que eu estava

começando a dizer, na prática esta teoria não se confirmava. Íamos ter que

discutir mais do que pensávamos, e não havia tempo para isto. Havia mais

coisas em jogo ali do que simplesmente nossas boas intenções, em relação ao

bem-estar da cidade e de seus cidadãos. E de que maneira a boa gestão de

políticas - públicas para a Cultura poderia contribuir para isto. A cidade

não estava em jogo, nem o seu cidadão, e sim a necessidade de aprovar

urgentemente, não sei porque motivo, aquele documento regulatório e

contraditório das atividades em áreas públicas, que estava diante de mim.

E eu, senhora Secretaria, sem voz e imobilizado, nada podia fazer, a não ser

pedir um tempo para pensar e propor alguma reflexão e discussão, a respeito

desta questão tão importante, já que, aparentemente, não estávamos ocupando

posições semelhantes diante do problema.



E assim, a discussão com os interessados que deveria ter sido feita,

antes até mesmo da elaboração do Decreto, e que iria ajudar nesta

elaboração, teria que ser feita ali naquela hora, sob pressão política e

de prazo. Companheiros da Rede de Teatro de Rua do Rio de Janeiro tinham

várias vezes antes tentado contato, sem êxito, com esta Secretaria.



Nós não achávamos que uma questão tão importante podia ser discutida às

pressas; e continuamos achando que não, dadas a sua importância e

atualidade. É realmente uma questão de tempo, Senhora Secretária. E não

podemos ser levianos e inconseqüentes a este respeito, pois o que for

decidido aqui no Rio de Janeiro vai repercutir no Brasil inteiro, e nós

estamos no momento de avançar em nossas conquistas de liberdade. Sempre

que os governos não conseguem equacionar seus problemas sociais a liberdade

é a primeira a ser sacrificada. Podemos estar “distraídos” diante disto

tudo? O muro de Berlim resolveu o problema da liberdade? O dia da

Consciência Negra resolveu o problema do apartheid social e racial da

sociedade brasileira? É possível distrair, descansar?









Senhora Secretária, esta Secretaria acho que ainda tem um departamento de

Patrimônio que foi criado na gestão do Antonio Pedro Borges, a frente da

primeira Secretaria de Cultura, do Rio de Janeiro. Pois bem, Senhora,

todos nós sabemos que Santa Teresa é uma APA- Área de Proteção Ambiental;

e que todos nós, gestores públicos e cidadãos, devemos zelar pela sua

integridade e identidade. A Senhora já viu o caos em que estão se

transformando as ruas e ladeiras de Santa Teresa? A qualidade de vida do

bairro é cada vez pior, o morador se ressente, enquanto floresce um

comercio, que só remotamente beneficia o bairro e seu morador. Os carros,

veículos de todos os tamanhos e pesos, sobem e descem suas ruas e ladeiras

indiscriminadamente , em qualquer direção, sem nenhum regulatório. Lá não

precisa? Uma vez só estiveram lá, que eu saiba, para obrigar o

proprietário de um bar-mercearia a recolher duas mesas da calçada, onde eu

e outros moradores há 30 anos costumamos nos sentar para conversar, sermos

amigos, cidadão, convivermos. Coisa rara em qualquer lugar do Rio de

Janeiro.





O choque de ordem fez recolher cadeiras e mesas onde a vida comunitária se

estabelece, e onde pode nascer um remédio para a violência que nos deixa

desolados, numa cidade tão linda como a nossa. E deixa a tragédia

anunciada se aproximar cada vez mais!



O que está acontecendo ou querendo acontecer com o Teatro de Rua não é

parecido com o que aconteceu com as cadeiras e mesas de Santa Teresa?



A senhora não acha, Senhora Secretária, que tudo isto tem a ver com a

Cultura? Que a Cultura tem a ver com identidade e qualidade de vida? Que

qualquer política “regulatória” teria que ser submetida à apreciação da

Secretaria de Cultura e a Secretaria de Saúde? Para evitar atitude e

procedimentos que em vez de resolver, transformam a cidade e a vida do

cidadão em tristeza, depressão e mais violência? Não é esta a função da

Vida Cultural na construção da nossa identidade e cidadania? Não só na

teoria, mas também na prática?



Senhora Secretária, pela regra do Decreto, meu grupo de Teatro, o Tá na Rua,

não poderá ir nunca à rua, pois não se encaixa em nada do que o decreto

pensa. Quem o redigiu tem pouca familiaridade com a questão, embora possa

ter tido empenho e boa – vontade.



Assim como eu, outros artista de rua não preparam com antecedência suas

saídas, e muitas vezes saímos a rua sem saber onde iremos parar. Nem dia,

nem hora, nem local. E nunca obstruímos nenhuma praça, nenhuma rua, nunca

prejudicamos nenhum comerciante, nem nunca perturbamos o sono de ninguém ou

o trânsito.



O básico de nosso trabalho é o respeito à população e ao seu direito de

ser feliz, participando da vida cultural da cidade. Nunca iríamos fazer ou

fizemos coisas que ferissem a ordem pública, a verdadeira ordem pública, não

a ordem de uma gaveta vazia. Atitude que não parece ser a que subjaz

nestas medidas regulatórias abstratas, em nome de uma ordem também abstrata

Sanear, higienizar não é organizar. Nós precisamos de apoio, estimulo, e

incentivo, não de organização aleatória e indiscriminada.







Nunca desistimos de nossa cidadania, pois amamos a cidade e seus cidadãos,

sem distinção de classe, cor, credo, idade ou religião. O nosso maior

prazer é respeitar o cidadão. Nós queremos ser parceiros do poder público na

construção de uma sociedade melhor. Não devemos ser tratados como presos em

liberdade condicional. Nossa liberdade foi conquistada ao longo de séculos

e de lutas e nossa liberdade não pode ser concedida. Ela tem de ser

reconhecida. Não posso me imaginar em praça pública somente se

estiver autorizado pela autoridade. Eu abandonei tudo por amor à cidade.

Sou cidadão carioca emérito. Não me tirem agora a cidade. Senhora

secretária, não deixe isto acontecer. O momento é histórico e importante. O

que fizermos agora vai, como já disse, repercutir em todo País. Se

decidirmos bem, ficaremos todos, nacionalmente um pouco mais alegres. Se

perdermos a oportunidade estaremos fazendo como aqueles que querem a todo

custo tirar a esperança do Brasil. Agora que estamos crescendo, produzindo

auto-estima que poderá iluminar o aparecimento da nação

brasileira.





Podemos fazer historia Senhora Secretária, ou sermos atropelados por ela.





Creia-me um seu admirador e antigo eleitor.



Obrigado pela atenção.



Amir Haddad









P.S - A título de pós –escrito uma sugestão de procedimento para o manejo

e crescimento do Teatro de Rua na cidade do Rio de Janeiro.



Sugerimos que;





1) Para sair às ruas, os grupos de Teatro, cadastrados ou não,

deverão apenas comunicar a um Setor de Teatro de Rua, que deverá ser criado

pela Secretaria, que espaços pretendem ocupar e a partir de que hora.



2) o Setor então deverá informar ao comunicante as condições do local,

para orientação do grupo. E sempre que necessário enviar

para lá uma equipe da Prefeitura, que se encarregaria da limpeza da praça

e de sua segurança, para que nossos artistas pudessem cumprir sua tarefa em

paz. Se houver necessidade de energia elétrica o Setor deverá providenciar

junto à Rio Luz a localização e a utilização do ponto de luz mais próximo,

sem ônus para o grupo.





A Guarda Municipal que estiver na região deverá ser estimulada a

proteger e assistir o espetáculo. Eles já fazem isto, porem com medo de

serem castigados. Terão assim melhorado sua qualificação para a função a

que se destinam.





3) O cadastramento dos grupos deverá ser feito junto a Rede de

Teatro de Rua do Rio de Janeiro, que se encarregará de manter atualizado

o cadastro do Setor de Teatro de Rua da Secretaria.







O grupo não cadastrado que comunicar seu trabalho ao Setor da

Secretaria estará automaticamente cadastrado e suas características ( nome,

formação, origem) deverão ser comunicadas a Rede que irá entrar em contato

com eles, para vinculá-los ao movimento nacional do Teatro de Rua.





4) Sei que os representantes da Rede Estadual de Teatro de Rua têm

pensado nisso que vou expor e que acho excelente.









Há grupos que além de andar por vários pontos da cidade, mantém o

vinculo permanente com as praças e comunidades onde têm suas sedes. Assim

seria interessante se este grupos se encarregassem da ocupação e

programação das praças onde estão suas sediados, ali desenvolvendo

atividades permanentes com apoio e cooperação da Guarda Municipal. Alguns

de nós já fazemos isto, mas sem nenhum apoio, estimulo ou segurança.



Poderemos melhorar, e muito, a vida na cidade, na região onde habitamos.



Sonhamos como uma cidade feliz e iluminada pela esperança.



A Secretaria de Cultura pode trazer saúde para a população carioca.



Não queremos poder, mas sim colaborar para a construção da esperança.







Trabalhamos no presente para um outro futuro, possível.



Atenciosamente



A. H

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