Caros amigos,
Amir Hadda e o Tá Na Rua receberam uma homenagem da assembléia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro pelos seus 30 anos de trabalho ininterrupto.
Repasso mais um texto que o Amir acabou de produzir referente a esta
homenagem .... fresquinho, fresquinho!
Boa leitura!
Licko Turle
Pequenas grandes reflexões à respeito das políticas públicas na área da
Cultura e das relações do Poder Público com a manifestação Cultural, feitas
a propósito da “Moção de Aplauso” concedida a mim e ao Grupo Tá na Rua,
pelo deputado Alessandro Molon, presidente da Comissão de Cultura da
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
ÍNDICE
I- O significado desta homenagem
II- Cultura- Políticas de repressão ou estimulo?
III- Conclusão
Anexo I – A cidade do Tá na Rua
Anexo II – Cartas à Exma. Snra. Secretária de Cultura da Cidade do
RJ: Jandira Feghali
I
O SIGNIFICADO DESTA HOMENAGEM
O FATO
O fato de um representante do poder legislativo do Estado do Rio de Janeiro
prestar
homenagem a um representante da sociedade civil, especificamente da área da
cultura, tem para mim muitos significados.
O primeiro de todos e,talvez, o mais importante é o “democrático”.
Ao homenagear-me quiz o Deputado certamente abrir-me um espaço em sua casa,
que
de resto é a casa do povo do Rio de Janeiro, para expor um pouco de minhas
idéias a respeito do momento que estamos vivendo na cidade, no que diz
respeito às questões
Culturais e que papel estas podem representar na construção de um governo,
como um
todo. Sua atitude procura corrigir um erro do exercício de democracia em
nossa cidade,
onde parece não haver espaço para qualquer pensamento de oposição ou que
não esteja,
pelo menos aparentemente, de acordo com as políticas públicas anunciadas.
Desde que nenhuma voz se levante para contestar nada.
Ao abrir-me esta tribuna, o Sr. Deputado parece estar querendo dizer: “Sr.
Haddad,
cidadão carioca, sem título, sem cargo e sem poder, suas idéias, por pior
que possam
parecer podem ser importantes para a nossa sociedade e merecem ser ouvidas e
consideradas. O homem público, tanto do executivo quanto do legislativo, tem
que ter
ouvidos para a voz do cidadão sem poder, que afinal ele está representando
quando
chega ao poder, e por isso, quero abrir para o Sr. um espaço neste pavilhão
do governo para expô-las e submetê-las ao julgamento dos meus pares e da
sociedade civil, aqui hoje presentes, e que afinal nós representamos.”
Sr. Deputado, espero não estar colocando palavras erradas em seus lábios.
Sua atitude
revela uma boa prática democrática. E aqui estou eu, dialogando com meus
parceiros da
sociedade civil, companheiros de ofício, e outros parceiros de outros
setores da
sociedade e do poder público, tentando me fazer entender, e aos meus
sentimentos
quando chego aqui para esta homenagem.
Além do espaço para falar, quero também agradecer por me proporcionar a
possibilidade, rara e difícil, para um cidadão livre no país, de ampliar o
alcance da sua
voz. Nós conhecemos as artimanhas da democracia quando ela não quer ser
democrática. É o mais terrível dos adversários, pois é um controle invisível
mas insuperável.
Estamos aqui inventando um jeito de reinventar a democracia, e dar voz aos
que tem o que falar, mas não encontram o seu espaço.
O outro significado importante de seu gesto, que eu percebo, diz respeito
às relações
que se estabelecem entre Estado e Cultura, entre Poder e Sociedade Civil, e
suas
conseqüências.
A cultura, e a própria vida cultural não é e não pode ser uma função estatal
O próprio
Estado é produção cultural da sociedade civil; nós o inventamos e o criamos
deste jeito
e iremos mais tarde modificá-lo de acordo com nosso crescimento e
desenvolvimento
cultural, quer queiramos ou não.
O Estado apenas zela e estimula da melhor forma possível: possibilita e
viabiliza o crescimento Cultural. Apesar disso as relações que se
estabelecem entre Estado e Sociedade Civil, entre Poder e Manifestação
Cultural são desproporcionalment e frágeis, quebradiças e distantes,
equivocadas.
Este ato nesta casa parece querer diminuir a distância que existe entre a
vida política e a
vida cultural.
Isto é mais importante do que parece.
Eu sou um representante de importante setor da vida pública brasileira, que
raramente
tem voz, embora tenha muito para dizer, e que agora tem a oportunidade de
ocupar uma
tribuna. Minha simples presença aqui já é repleta de significado.
Percebo neste ato do legislador, o reconhecimento de que o poder constituído
dá pouca
importância à tentativa de uma maior inclusão das questões da cultura na
gestão da
coisa pública, e ao me homenagear parece querer dar um passo para remediar
este mal,
este defeito da democracia, mas principalmente para denunciá-lo e deixá-lo
evidente,
para que pensemos sobre isso tudo. Se ele não pensou isso tudo não importa.
Eu pensei
e o ato tem esta importância.
A Cultura no Governo não deveria ser apenas um nicho do Executivo na gestão
da coisa pública, mas parte mesmo de seu organismo, de seu sistema de
artérias e articulações.
Uma boa relação e constante interação entre os homens ditos públicos e
aqueles da vida
cultural do pais, estes sim verdadeiramente públicos, em qualquer nível,
será sempre
enriquecedor para ambos.
O reconhecimento do governo, de que a criação de uma política cultural para
o pleno
desenvolvimento da nação é tão importante para o país, quanto a criação de
políticas para o pleno desenvolvimento econômico, e que um depende do outro,
este reconhecimento, repito, é tão relevante para o país quanto os artistas
a vida cultural e a manifestação cultural, em toda a sua extensão, terem,
cada vez mais, compreensão de que estas atividades estão mais e mais ligadas
ao mundo em que vivemos, e com ele interage. E que, portanto, nossos atos e
ações produzem conseqüências negativas ou positivas, em relação ao nosso
desenvolvimento, quanto pior ou melhor for nossa consciência a respeito.
E que, de uma certa maneira, nós também somos governo, e que portanto
devemos
trabalhar para nós mesmos, é evidente, mas não podemos minimizar a
importância de nossa atuação na vida pública.
A máquina social e suas engrenagens não avançam sem a lubrificação
apropriada da
vida cultural. Da qualidade do óleo a qualidade da vida, da máquina e de
suas
engrenagens.
Então, espero que esta homenagem, a mim concedida, possa significar a
possibilidade de um contato maior entre os seres humanos que fazem política
e os que fazem ou produzem cultura. Seria bom para ambos.
As Secretarias de Cultura não aproximam os políticos da vida cultural. Elas
fazem
políticas de governo, e mudam de governo para governo; e os políticos parece
que
pouco se importam com isso, como se a questão cultural não fosse relevante e
não
merecesse ser levada em conta, e considerada por todos que cuidam da coisa
pública.
Não quero também ser injusto: muitos homens públicos gostam, isto sim, dos
artistas,
de sair junto com eles, de aparecer com eles. Mas não é disso que eu estou
falando. Veja
o caso da Madona, por exemplo. Todo mundo pousou no ombro dela.
O mundo da política absorve muito, e não sobra tempo paro o mundo da cultura
E vice-
versa também é verdade. Muitos de nós, da área da cultura, não queremos nem
saber de
política, nem de ética, nem de cidadania, porque verdadeiramente achamos que
não dá
tempo para tudo isso.
Por isso, acho este momento aqui, talvez histórico.
Estamos nós aqui, do mundo da cultura, do movimento, da transgressão, da
profecia e
da utopia, nesta casa, em contato com aqueles que tem a função de perceber
as
modificações e necessidades que a própria vida cultural vai nos revelando e
fazer leis
que garantam a continuidade do processo de criação de uma sociedade mais
justa e
humanitária para o país. Romper com a cultura é uma forma de avançar com a
Cultura
assim como romper com as leis é uma maneira de avançar com as leis que
organizam
nosso convívio social. Nenhuma lei pode ser eterna. E não o é.
A cultura, antes que tudo e todos, anuncia a modificação e o
desenvolvimento, porque se liga ao afeto.
Perceber a dinâmica de crescimento, e modificação da vida social, através da
Cultura, é
essencial para o estabelecimento de políticas públicas justas e adequadas.
Governar ao arrepio da Cultura é correr o risco de estabelecer políticas
arbitrárias e corretivas sobre uma sociedade que está sempre em processo de
evolução e transformação. Substituir vida Cultural por produção cultural,
pode acabar por, definitivamente, massificar e esterilizar a melhor produção
cultural.
A produção do bem artístico esmorece numa sociedade estagnada e esterilizada
e seu
povo perde sua própria alma, ficando sujeito a todo tipo de possessão
demoníaca, e
manipulação diabólica. A catástrofe, o Anti - Cristo, o apocalipse.
A Cultura pode ser um elemento iluminador das práticas governamentais, e
seus
representantes deveriam ser consultados, antes do estabelecimento de toda e
qualquer
política que diga respeito à população (acho que todas dizem): da construção
de um
viaduto, à elaboração de uma campanha sanitária, à políticas públicas de
Saúde e
Educação. E principalmente na construção de cidadania.
Com quantos cassetetes se faz um cidadão?
Com a iluminação da consciência ou com o apagão da repressão e do arbítrio?
Pode o Estado se julgar puro, limpo e imaculado? E o cidadão sujo,
emporcalhado e
inconseqüente?
Pode o Estado ignorar a Cultura? A vida Pública?
A manifestação Cultural é o melhor sintoma de resistência `a doença que
nossa
sociedade produz, e ela, a manifestação, precisa ser localizada e estimulada
para que a
própria sociedade produza seus anticorpos e desenvolva seus sistemas
imunológicos,
auto-sustentados, ou sustentáveis.
Manifestação Cultural e Saúde são coisas intimamente relacionadas. Um povo
que se
expressa, é certamente um povo mais saudável. Se conhece, se orienta, e
melhor se
defende dos ataques a sua identidade e sua saúde.
Assim achamos, por exemplo, que toda Secretaria de Saúde deveria ter em sua
estrutura
um setor avançado dedicado às questões culturais e suas relações com a Saúde
Pública.
Este setor garantiria a Saúde, entre outras coisas, a localização dos
“focos” de resistência cultural ou “focos de Saúde”, em todas as áreas do
município e se encarregaria de estimulá-los e fazê-los crescer, como
complemento às políticas públicas de saneamento e cidadania responsável. Se
estaria assim dando mais importância aos “focos de saúde” que aos “focos de
doença”, que é como estamos acostumados a trabalhar, para deleite dos
grandes laboratórios e da repressão violenta.
Investir na manifestação da vida, esteja ela onde estiver, é investir nos
“focos de saúde” para dar combate aos “focos de doença”. Fortalecer o
organismo social para que ele fique mais imune aos ataques que sofre, numa
sociedade injusta e hierarquizada
como a nossa. Trabalhar, tratar a doença através da saúde.
Mas também não somos ingênuos a ponto de acharmos que a Cultura é a grande
panacéia que a tudo vai sanar.
Sabemos que a vida cultural também não está acima do bem e do mal, e que há
tipos de
programas e políticas culturais que, por equivocadas, ou mesmo de ma fé ou
inconseqüência ideológica, poderão trazer grandes malefícios `a sociedade se
não
tiverem sobre si um olhar que questione, rastreie esses efeitos, benéficos
ou maléficos
no meio social.
Nem tudo que é chamado cultura é bom para a saúde, e nem todo produto
cultural é
saudável. E o meio cultural é o mais permeável às infiltrações e controles
ideológicos,
efetuados através da emoção inespecífica.
Muitas vezes, todos nós sabemos, este efeito e é arrasador para a identidade
e a vida de uma cidade.
Para compensar achamos, portanto, que toda política cultural deveria passar
por um olhar esclarecido de setores avançados da área de Saúde, para ser
saneada de seus conteúdos insalubres.
Assim, toda Secretaria de Saúde deveria ter em sua estrutura um setor
importante, que
desenvolvesse um “olhar da saúde” sobre políticas culturais a serem
oferecidas às
populações. Muitas vezes estas políticas se parecem com aquelas “bolinhas”
que
antigamente se ofereciam aos cachorros, saborosas e atraentes por fora e
venenosas e
cáusticas por dentro.
É essencial um “olhar da cultura” sobre a saúde, assim como é essencial um
“olhar da Saúde” sobre a Cultura. Questão de mais vida ou mais morte.
Políticas de salvação, redenção, cura, desenvolvimento ou técnicas de
envenenamento
ideológico progressivo, e manipulação mercadológica.
Então, quero crer que, quando um deputado como o Sr. Molon,homenageia em sua
casa
de trabalho uma pessoa como eu, totalmente voltada para as questões da
Cultura e seu
papel nas transformações sociais, quero crer que ele reconhece na Cultura
uma ferramenta capaz de ajudá-lo a construir um mundo melhor, e quer que nós
da Cultura
consideremos este lugar histórico também a nossa casa.
Não pode o legislativo ignorar os problemas da cultura, como se fossem
apenas questões do executivo ou da sociedade civil, entregues às
turbulências do mercado. Nem nós da cultura ignorarmos os movimentos da
política.
Democracia e diálogo com a Cultura.
Estes me parecem os dois aspectos mais importantes que eu vejo nesta
homenagem que
querem nos prestar, nesta casa onde nossos destinos são determinados.
Para terminar, citando o professor Nelson Vaz, eminente cientista brasileiro
quero dizer
que estou “pessimista em minhas convicções mas absolutamente otimista em
minhas
ações.”
Obrigado a todos e ao ilustre deputado pela oportunidade de poder falar para
todos,
aqui desta casa do povo, que tem o nome do Tiradentes, mártir da possível
Independência.
II
A Cultura
Política de repressão ou de estímulo?
A Cultura
Encarar a vida cultural como produto, e não como manifestação, sufoca o
processo
criativo dos cidadãos e divide a sociedade.
É a cidade que se manifesta. Ela tem, quer e reivindica este direito. Dele
depende o
crescimento e desenvolvimento de seus cidadãos.
E, além do mais, uma cidade assim terá uma capacidade muito maior de
produção artística, com valor comercial, do que de outra maneira. Os
produtos artísticos, porque genuínos, acabariam por ter inevitavelmente
maior qualidade, melhorando também, por sua vez, seus produtores e seus
consumidores, fechando assim o círculo de importância da Manifestação
Cultural na vida das cidades, além de servir como solução parcial, porém
real, para o impasse e a terrível violência que produzimos e com a qual não
sabemos mais o que fazer, levando-nos a desesperadamente combater o violento
com a violência, deixando-nos sem armas para combater a violência,
combatendo-a com a própria violência, em nome de uma ordem desprovida de
qualquer conteúdo, a não ser ela mesma, e que se basta a si mesma.
Mais artistas na rua é pior do que mais policiais? Qual é a “ordem pública”
que a
Cultura saberia mais apreciar e qual é a que a ela se opõe?
A Cultura quer uma ordem pública que não só garanta a Manifestação Cultural
livre em
todos os bairros, em favelas, em praças e terreiros, e igrejas, e clubes do
Rio de Janeiro,
mas que também salvaguarde os costumes, tombe bens imateriais, preserve
modos e
estilos de vida, etc. etc.
O Rio de Janeiro é uma cidade que se presta a este Sonho de Utopia Social e
Racial,
o sonho de criar uma cidade onde o cidadão tenha uma real possibilidade de
crescer, se desenvolver e ser feliz.
Alguma outra cidade do mundo, mais que o Rio de Janeiro, por sua localização
clima
paisagem, disposição urbana, relevo, e principalmente por sua riquíssima
miscigenação
étnica, alguma outra cidade poderá oferecer ao mundo uma outra
possibilidade?
Nosso atraso nos permite sair na frente! Porque não sairmos na frente em
vez de irmos atrás como ignorantes, cãezinhos obedientes e com pouco
discernimento?
Não será possível olhar para o Rio de Janeiro e vê-la, com orgulho, como
modelo único
de cidade brasileira?
O Brasil é tão melhor, meus amigos. Do que Oslo, na Noruega, Londres na
Inglaterra
( que matou um brasileiro porque se parecia com um árabe) ! De Miami, do
crime e do jogo!
Que mais que nós queremos afinal? Detroit, Nova York, Chicago?
Por isso é desejável que os homens e mulheres que estabelecem as políticas
públicas
desta cidade tenham fortes laços com a sociedade civil e sua manifestação
cultural.
Estas questões são essenciais para planejarmos qualquer política de
desenvolvimento, e os políticos não deveriam ignorá-las.
Por isso também não é indiferente quem seja o titular da Secretaria de
Cultura das
Cidades.
As Secretarias de Cultura, em qualquer município ou estado deveriam ser
encaradas
como equipamentos estratégicos para o desenvolvimento da cidadania e da
Identidade
Cultural.
Freqüentemente são
confundidas com esportes, lazer, turismo. E embora elas sejam
tudo isso e muito mais coisas, como Educação e Saúde, a maior parte das
vezes ela é
encarada como peça menos importante para o grau de desenvolvimento humano do
cidadão.
E muitos vezes, usada apenas como moeda de troca para saldar eventuais
compromissos políticos dos governantes eleitos, que geralmente não têm a
cultura como elemento importante na sua abordagem do mundo, ou em seu
programa de governo.
Mas as Secretarias de Cultura deveriam prestar assessoria e consultoria a
todos os
Setores responsáveis pela gestão das coisas públicas.
No esporte, no turismo, no lazer ou Educação (como nos CIEPs do Dr.
Brizola) na Saúde,onde os horizontes talvez mais se confundam, tão ligada
está uma coisa na outra.
III
CONCLUSÃO
Além da Medalha da Ordem do Mérito Cultural recebida do presidente Lula,já
tenho a Medalha Pedro Ernesto, do Município, já tenho o título de Cidadão
Carioca, e agora esta homenagem e o aceno para o título de Cidadão
Fluminense. Este é um troco magnífico que recebo por amar esta cidade e seu
povo, e por me embeber de sua cultura, trabalhando em contato diário com a
sua população há 30 anos, pelas suas ruas.
Aqui é nosso berço. Da etnia carioca, de sua mistura, nasce nossa
identidade, de sua
ética popular nasce nossa estética. Queremos estar vivos e queremos que
esta cidade
permaneça viva dentro e fora de nós. Nós também morremos quando a cidade
morre.
E estamos nos sentindo agonizantes como nunca nos sentimos, nem mesmo nos
piores
Momentos da ditadura. Quero me orgulhar de ser carioca e de todos os títulos
que recebi
ou vier a receber. Não quero me sentir criminoso só porque sou carioca e
vivo aqui.
A ditadura fazia com que cada cidadão fosse tratado como possível inimigo
pela polícia
Militar. Sempre fomos perseguidos, nunca protegidos. Depois de tanto tempo
achava
que estávamos livres desta sensação de culpa e desta desagradável
experiência de
“liberdade consentida”, depois de tantos anos de luta e resistência à falta
de liberdade
da ditadura. Falta de liberdade e liberdade consentida, por decreto ou
regulamento são
faces da mesma moeda, da intolerância e do arbítrio. O fascismo aumenta num
mundo
em crise, diante de uma civilização que se desmorona diante de nossos olhos,
como o
Terremoto do Haiti. A Cultura nos ajudará a reconstruir um mundo novo,
nascido das
Cinzas deste que se acaba. Em todas as partes do planeta há sinais de vida
nova,
ao lado dos terríveis e dolorosos sinais da decadência. Cabe a nós agora,
escolher a que
deuses queremos fazer oferendas. Àqueles de um mundo em decomposição, que se
recusa a admitir sua decadência, ou aos outros que nos revelam caminhos
iluminados
por uma possível esperança?
Amir Haddad
ANEXO I
A cidade do Tá na Rua
Algumas ligeiras considerações a respeito da cidade do Rio de Janeiro, e as
políticas públicas que parecem estar esboçadas para ela, em preparação
para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
A visão e a experiência do Grupo .
Como estarão sendo trabalhadas as questões da Cultura no município do Rio de
Janeiro,
pensando na Copa e nas Olimpíadas?
Já deveríamos estar ouvindo notícias destes planejamentos, assim como
ouvimos falar
de ruas, viadutos, estádios, e principalmente polícia e segurança.
Isto significa o que? Que teremos daqui a pouco um Rio de Janeiro limpo,
com as ruas controladas e vigiadas, e com muitos policiais espalhados,
uniformizados ou não, e milhares de câmaras, bisbilhotando cada recanto
desta maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, com tantos lugares bonitos para
se estar e namorar, e beijar?
Aí eu me pergunto, como o poeta da Vila: com que roupa, com que roupa que
eu vou ao samba que você me convidou? Uma cidade com muita polícia na rua é
melhor que uma cidade com muitos artistas? E que tal uma cidade com muitos
artistas, e a polícia ajudando?
E que tal uma cidade onde o cidadão não seja criminalizado, e a polícia não
nos persiga como se fossemos criminosos, pelo simples fato de sermos
vítimas inocentes do apartheid social em que vivemos.
O Grupo Tá na Rua há 30 anos se esforça por ocupar os espaços, cada vez
menores, para o seu exercício de liberdade e poesia na cidade onde vivemos.
Nunca estivemos tão
comprimidos como agora, a ponto de necessitarmos declarar publicamente nossa
insatisfação com as políticas culturais que desde já começam a se plantar
na cidade do
Rio de Janeiro.
A que mãos estaremos nos entregando neste momento tão importante na vida da
cidade e do país?
Ordem Pública e Cultura de mãos dadas. As duas unidas para coibirem. Não
seria
melhor se ordem pública cumprisse sua função de garantir segurança para a
manifestação cultural livre nos espaços também livres da cidade?
Antes que
desapareçam?
Em que mundo estaremos vivendo quando a função dos órgãos da Cultura for a
manutenção da ordem pública? Que olhar teremos então para os artistas e
seus produtos, e as manifestações populares? O sonho de um mundo puro,
imaculado, higienizado já foi tema de muitos filmes, muitas histórias,
livros, romances.
O ser humano já viveu esta aventura saneadora e higienizante várias vezes.
Impõe-se sempre a diversidade.
E neste sentido o Rio de Janeiro é o melhor lugar do mundo para começar a
tentar desenvolver o modelo de cidade luminosa, antes que seja tarde
demais. Porque não!!?!!?
A.H
ANEXO II
CARTAS A SENHORA SECRETÁRIA DE CULTURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: JANDIRA
FEGHALI
Baixar o anexo original
Carta Aberta à Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro
Senhora Secretária
Gostaria de deixar aqui escrito uma tentativa de descrever os sentimentos
que me ocorreram, e pensamentos que tive quando entrei em contato com o
texto do Decreto.(?!? )
Talvez tenha de me demorar um pouco sobre este assunto, pois ele é de
capital importância para o momento e para o mundo em que estamos vivendo e
acredito que ninguém, muito menos eu e a Senhora Secretária, podemos ou
devemos fugir dele. Espero não ser interrompido como fui no nosso breve
encontro anterior,
Assim vamos lá.
Eu tinha ido para esta reunião com o artigo 5° da Constituição em minha mão
, para declamá-lo diante de todos, pois para mim era esta a verdadeira
razão daquele encontro. Liberdade de expressão.
Art. 5°, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 5°, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a.
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Porem, ao ler o Decreto fui agradavelmente surpreendido e desarmado por
ver seu artigo 1°, que citava justamente este artigo da Constituição.
Respirei aliviado. Estamos no mesmo barco, pensei eu.
Mas nos artigos, incisos ou alíneas ou parágrafos seguintes, ou não sei
bem o que é, o que estava escrito era uma seqüência de requisitos que eu
deveria cumprir para que pudesse usufruir desta liberdade constitucional.
Condições sem as quais eu não poderia exercer meu direito de cidadão livre.
Então eu estava livre, mas não estava muito. Eu era uma pessoa que estava
presa e agora ia ser agraciado com a benesse da liberdade condicional.
Estava ali me sendo oferecida a liberdade, sob determinadas condições que
eu deveria cumprir e respeitar, sob pena de novamente voltar a prisão. O
meu mal-estar cresceu quando compreendi que a discussão teria que ser
mais profunda e inquietante do que eu imaginava. Não estava diante de
pessoas que estavam pensando o mundo como eu. Embora a Senhora Secretária
tivesse afirmado que, por ser comunista sabia já das coisa que eu estava
começando a dizer, na prática esta teoria não se confirmava. Íamos ter que
discutir mais do que pensávamos, e não havia tempo para isto. Havia mais
coisas em jogo ali do que simplesmente nossas boas intenções, em relação ao
bem-estar da cidade e de seus cidadãos. E de que maneira a boa gestão de
políticas - públicas para a Cultura poderia contribuir para isto. A cidade
não estava em jogo, nem o seu cidadão, e sim a necessidade de aprovar
urgentemente, não sei porque motivo, aquele documento regulatório e
contraditório das atividades em áreas públicas, que estava diante de mim.
E eu, senhora Secretaria, sem voz e imobilizado, nada podia fazer, a não ser
pedir um tempo para pensar e propor alguma reflexão e discussão, a respeito
desta questão tão importante, já que, aparentemente, não estávamos ocupando
posições semelhantes diante do problema.
E assim, a discussão com os interessados que deveria ter sido feita, antes
até mesmo da elaboração do Decreto, e que iria ajudar nesta elaboração,
teria que ser feita ali naquela hora, sob pressão política e de prazo.
Companheiros da Rede de Teatro de Rua do Rio de Janeiro tinham várias vezes
antes tentado contato, sem êxito, com esta Secretaria.
Nós não achávamos que uma questão tão importante podia ser discutida às
pressas; e continuamos achando que não, dadas a sua importância e
atualidade. É realmente uma questão de tempo, Senhora Secretária. E não
podemos ser levianos e inconseqüentes a este respeito, pois o que for
decidido aqui no Rio de Janeiro vai repercutir no Brasil inteiro, e nós
estamos no momento de avançar em nossas conquistas de liberdade. Sempre
que os governos não conseguem equacionar seus problemas sociais a liberdade
é a primeira a ser sacrificada. Podemos estar “distraídos” diante disto
tudo? O muro de Berlim resolveu o problema da liberdade? O dia da
Consciência Negra resolveu o problema do apartheid social e racial da
sociedade brasileira? É possível distrair, descansar?
Senhora Secretária, esta Secretaria acho que ainda tem um departamento
de Patrimônio que foi criado na gestão do Antonio Pedro Borges, a frente da
primeira Secretaria de Cultura, do Rio de Janeiro. Pois bem, Senhora,
todos nós sabemos que Santa Teresa é uma APA- Área de Proteção Ambiental;
e que todos nós, gestores públicos e cidadãos, devemos zelar pela sua
integridade e identidade. A Senhora já viu o caos em que estão se
transformando as ruas e ladeiras de Santa Teresa? A qualidade de vida do
bairro é cada vez pior, o morador se ressente, enquanto floresce um
comercio, que só remotamente beneficia o bairro e seu morador. Os carros,
veículos de todos os tamanhos e pesos, sobem e descem suas ruas e ladeiras
indiscriminadamente , em qualquer direção, sem nenhum regulatório. Lá não
precisa? Uma vez só estiveram lá, que eu saiba, para obrigar o proprietário
de um bar-mercearia a recolher duas mesas da calçada, onde eu e outros
moradores há 30 anos costumamos nos sentar para conversar, sermos amigos,
cidadão, convivermos. Coisa rara em qualquer lugar do Rio de janeiro.
O choque de ordem fez recolher cadeiras e mesas onde a vida comunitária se
estabelece, e onde pode nascer um remédio para a violência que nos deixa
desolados, numa cidade tão linda como a nossa. E deixa a tragédia
anunciada se aproximar cada vez mais!
O que está acontecendo ou querendo acontecer com o Teatro de Rua não é
parecido com o que aconteceu com as cadeiras e mesas de Santa Teresa?
A senhora não acha, Senhora Secretária, que tudo isto tem a ver com a
Cultura? Que a Cultura tem a ver com identidade e qualidade de vida? Que
qualquer política “regulatória” teria que ser submetida à apreciação da
Secretaria de Cultura e a Secretaria de Saúde? Para evitar atitude e
procedimentos que em vez de resolver, transformam a cidade e a vida do
cidadão em tristeza, depressão e mais violência? Não é esta a função da Vida
Cultural na construção da nossa identidade e cidadania? Não só na teoria,
mas também na prática?
Senhora Secretária, pela regra do Decreto, meu grupo de Teatro, o Tá na Rua,
não poderá ir nunca à rua, pois não se encaixa em nada do que o decreto
pensa. Quem o redigiu tem pouca familiaridade com a questão, embora possa
ter tido empenho e boa – vontade.
Assim como eu, outros artista de rua não preparam com antecedência suas
saídas, e muitas vezes saímos a rua sem saber onde iremos parar. Nem dia,
nem hora, nem local. E nunca obstruímos nenhuma praça, nenhuma rua, nunca
prejudicamos nenhum comerciante, nem nunca perturbamos o sono de ninguém ou
o trânsito.
O básico de nosso trabalho é o respeito à população e ao seu direito de ser
feliz, participando da vida cultural da cidade. Nunca iríamos fazer ou
fizemos coisas que ferissem a ordem pública, a verdadeira ordem pública, não
a ordem de uma gaveta vazia. Atitude que não parece ser a que subjaz
nestas medidas regulatórias abstratas, em nome de uma ordem também abstrata.
Sanear, higienizar não é organizar. Nós precisamos de apoio, estimulo, e
incentivo, não de organização aleatória e indiscriminada.
Nunca desistimos de nossa cidadania, pois amamos a cidade e seus cidadãos,
sem distinção de classe, cor, credo, idade ou religião. O nosso maior prazer
é respeitar o cidadão. Nós queremos ser parceiros do poder público na
construção de uma sociedade melhor. Não devemos ser tratados como presos em
liberdade condicional. Nossa liberdade foi conquistada ao longo de séculos
e de lutas e nossa liberdade não pode ser concedida. Ela tem de ser
reconhecida. Não posso me imaginar em praça pública somente se
estiver autorizado pela autoridade. Eu abandonei tudo por amor à cidade.
Sou cidadão carioca emérito. Não me tirem agora a cidade. Senhora
secretária, não deixe isto acontecer. O momento é histórico e importante. O
que fizermos agora vai, como já disse, repercutir em todo País. Se
decidirmos bem, ficaremos todos, nacionalmente um pouco mais alegres. Se
perdermos a oportunidade estaremos fazendo como aqueles que querem a todo
custo tirar a esperança do Brasil. Agora que estamos crescendo, produzindo
auto-estima que poderá iluminar o aparecimento da nação brasileira.
Podemos fazer historia Senhora Secretária, ou sermos atropelados por ela.
Creia-me um seu admirador e antigo eleitor.
Obrigado pela atenção.
Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2009
Amir Haddad
P.S - A título de pós –escrito uma sugestão de procedimento para o manejo e
crescimento do Teatro de Rua na cidade do Rio de Janeiro.
Sugerimos que:
Para sair às ruas, os grupos de Teatro, cadastrados ou não, deverão apenas
comunicar a um Setor de Teatro de Rua, que deverá ser criado pela Secretaria
que espaços pretendem ocupar e a partir de que hora.
O Setor, então, deverá informar ao comunicante as condições do local, para
orientação do grupo. E, sempre que necessário, enviar para lá uma
equipe da Prefeitura, que se encarregará da limpeza da praça e de sua
segurança, para que nossos artistas possam cumprir sua tarefa em paz. Se
houver necessidade de energia elétrica o Setor deverá providenciar junto à
Rio Luz a localização e a utilização do ponto de luz mais próximo, sem
ônus para o grupo.
A Guarda Municipal que estiver na região deverá ser estimulada a
proteger e assistir o espetáculo. Eles já fazem isto, porem com medo de
serem castigados. Terão assim melhorado sua qualificação para a função a
que se destinam.
O cadastramento dos grupos deverá ser feito junto à Rede de Teatro de
Rua do Rio de Janeiro, que se encarregará de manter atualizado o cadastro
do Setor de Teatro de Rua da Secretaria.
O grupo não cadastrado que comunicar seu trabalho ao Setor da Secretaria
estará automaticamente cadastrado e suas características ( nome, formação,
origem) deverão ser comunicadas a Rede que irá entrar em contato com eles,
para vinculá-los ao movimento nacional do Teatro de Rua.
Sei que os representantes da Rede Estadual de Teatro de Rua têm pensado
nisso que vou expor e que acho excelente.
Há grupos que além de andar por vários pontos da cidade, mantém o vinculo
permanente com as praças e comunidades onde têm suas sedes. Assim seria
interessante se este grupos se encarregassem da ocupação e programação das
praças onde estão sediados, ali desenvolvendo atividades permanentes com
apoio e cooperação da Guarda Municipal. Alguns de nós já fazemos isto, mas
sem nenhum apoio, estimulo ou segurança.
Poderemos melhorar, e muito, a vida na cidade, na região onde habitamos.
Sonhamos como uma cidade feliz e iluminada pela esperança.
A Secretaria de Cultura pode trazer saúde para a população carioca.
Não queremos poder, mas sim colaborar para a construção da esperança.
Trabalhamos no presente para um outro futuro, possível.
Atenciosamente
A. H
CARTA 02
Senhora Secretária
Gostaria de deixar aqui escrito uma tentativa de descrever os sentimentos
que me ocorreram, e pensamentos que tive quando entrei em contato com o
texto do Decreto.(?!? )
Talvez tenha de me demorar um pouco sobre este assunto, pois ele é de
capital importância para o momento e para o mundo em que estamos vivendo e
acredito que ninguém, muito menos eu e a Senhora Secretária, podemos ou
devemos fugir dele. Espero não ser interrompido como fui no nosso breve
encontro anterior,
Assim vamos lá.
Eu tinha ido para esta reunião com o artigo 5° da Constituição em
minha mão , para declamá-lo diante de todos, pois para mim era esta a
verdadeira razão daquele encontro. Liberdade de expressão.
Art. 5°, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato
Art. 5°, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 5°, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Art. 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a.
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Porem, ao ler o Decreto fui agradavelmente surpreendido e desarmado por
ver seu artigo 1°, que citava justamente este artigo da Constituição.
Respirei aliviado. Estamos no mesmo barco, pensei eu.
Mas nos artigos, incisos ou alíneas ou parágrafos seguintes, ou não sei
bem o que é, o que estava escrito era uma seqüência de requisitos que eu
deveria cumprir para que pudesse usufruir desta liberdade constitucional.
Condições sem as quais eu não poderia exercer meu direito de cidadão livre.
Então eu estava livre, mas não estava muito. Eu era uma pessoa que estava
presa e agora ia ser agraciado com a benesse da liberdade condicional.
Estava ali me sendo oferecida a liberdade, sob determinadas condições que
eu deveria cumprir e respeitar, sob pena de novamente voltar a prisão. O
meu mal-estar cresceu quando compreendi que a discussão teria que ser
mais profunda e inquietante do que eu imaginava. Não estava diante de
pessoas que estavam pensando o mundo como eu. Embora a Senhora Secretária
tivesse afirmado que, por ser comunista sabia já das coisa que eu estava
começando a dizer, na prática esta teoria não se confirmava. Íamos ter que
discutir mais do que pensávamos, e não havia tempo para isto. Havia mais
coisas em jogo ali do que simplesmente nossas boas intenções, em relação ao
bem-estar da cidade e de seus cidadãos. E de que maneira a boa gestão de
políticas - públicas para a Cultura poderia contribuir para isto. A cidade
não estava em jogo, nem o seu cidadão, e sim a necessidade de aprovar
urgentemente, não sei porque motivo, aquele documento regulatório e
contraditório das atividades em áreas públicas, que estava diante de mim.
E eu, senhora Secretaria, sem voz e imobilizado, nada podia fazer, a não ser
pedir um tempo para pensar e propor alguma reflexão e discussão, a respeito
desta questão tão importante, já que, aparentemente, não estávamos ocupando
posições semelhantes diante do problema.
E assim, a discussão com os interessados que deveria ter sido feita,
antes até mesmo da elaboração do Decreto, e que iria ajudar nesta
elaboração, teria que ser feita ali naquela hora, sob pressão política e
de prazo. Companheiros da Rede de Teatro de Rua do Rio de Janeiro tinham
várias vezes antes tentado contato, sem êxito, com esta Secretaria.
Nós não achávamos que uma questão tão importante podia ser discutida às
pressas; e continuamos achando que não, dadas a sua importância e
atualidade. É realmente uma questão de tempo, Senhora Secretária. E não
podemos ser levianos e inconseqüentes a este respeito, pois o que for
decidido aqui no Rio de Janeiro vai repercutir no Brasil inteiro, e nós
estamos no momento de avançar em nossas conquistas de liberdade. Sempre
que os governos não conseguem equacionar seus problemas sociais a liberdade
é a primeira a ser sacrificada. Podemos estar “distraídos” diante disto
tudo? O muro de Berlim resolveu o problema da liberdade? O dia da
Consciência Negra resolveu o problema do apartheid social e racial da
sociedade brasileira? É possível distrair, descansar?
Senhora Secretária, esta Secretaria acho que ainda tem um departamento de
Patrimônio que foi criado na gestão do Antonio Pedro Borges, a frente da
primeira Secretaria de Cultura, do Rio de Janeiro. Pois bem, Senhora,
todos nós sabemos que Santa Teresa é uma APA- Área de Proteção Ambiental;
e que todos nós, gestores públicos e cidadãos, devemos zelar pela sua
integridade e identidade. A Senhora já viu o caos em que estão se
transformando as ruas e ladeiras de Santa Teresa? A qualidade de vida do
bairro é cada vez pior, o morador se ressente, enquanto floresce um
comercio, que só remotamente beneficia o bairro e seu morador. Os carros,
veículos de todos os tamanhos e pesos, sobem e descem suas ruas e ladeiras
indiscriminadamente , em qualquer direção, sem nenhum regulatório. Lá não
precisa? Uma vez só estiveram lá, que eu saiba, para obrigar o
proprietário de um bar-mercearia a recolher duas mesas da calçada, onde eu
e outros moradores há 30 anos costumamos nos sentar para conversar, sermos
amigos, cidadão, convivermos. Coisa rara em qualquer lugar do Rio de
Janeiro.
O choque de ordem fez recolher cadeiras e mesas onde a vida comunitária se
estabelece, e onde pode nascer um remédio para a violência que nos deixa
desolados, numa cidade tão linda como a nossa. E deixa a tragédia
anunciada se aproximar cada vez mais!
O que está acontecendo ou querendo acontecer com o Teatro de Rua não é
parecido com o que aconteceu com as cadeiras e mesas de Santa Teresa?
A senhora não acha, Senhora Secretária, que tudo isto tem a ver com a
Cultura? Que a Cultura tem a ver com identidade e qualidade de vida? Que
qualquer política “regulatória” teria que ser submetida à apreciação da
Secretaria de Cultura e a Secretaria de Saúde? Para evitar atitude e
procedimentos que em vez de resolver, transformam a cidade e a vida do
cidadão em tristeza, depressão e mais violência? Não é esta a função da
Vida Cultural na construção da nossa identidade e cidadania? Não só na
teoria, mas também na prática?
Senhora Secretária, pela regra do Decreto, meu grupo de Teatro, o Tá na Rua,
não poderá ir nunca à rua, pois não se encaixa em nada do que o decreto
pensa. Quem o redigiu tem pouca familiaridade com a questão, embora possa
ter tido empenho e boa – vontade.
Assim como eu, outros artista de rua não preparam com antecedência suas
saídas, e muitas vezes saímos a rua sem saber onde iremos parar. Nem dia,
nem hora, nem local. E nunca obstruímos nenhuma praça, nenhuma rua, nunca
prejudicamos nenhum comerciante, nem nunca perturbamos o sono de ninguém ou
o trânsito.
O básico de nosso trabalho é o respeito à população e ao seu direito de
ser feliz, participando da vida cultural da cidade. Nunca iríamos fazer ou
fizemos coisas que ferissem a ordem pública, a verdadeira ordem pública, não
a ordem de uma gaveta vazia. Atitude que não parece ser a que subjaz
nestas medidas regulatórias abstratas, em nome de uma ordem também abstrata
Sanear, higienizar não é organizar. Nós precisamos de apoio, estimulo, e
incentivo, não de organização aleatória e indiscriminada.
Nunca desistimos de nossa cidadania, pois amamos a cidade e seus cidadãos,
sem distinção de classe, cor, credo, idade ou religião. O nosso maior
prazer é respeitar o cidadão. Nós queremos ser parceiros do poder público na
construção de uma sociedade melhor. Não devemos ser tratados como presos em
liberdade condicional. Nossa liberdade foi conquistada ao longo de séculos
e de lutas e nossa liberdade não pode ser concedida. Ela tem de ser
reconhecida. Não posso me imaginar em praça pública somente se
estiver autorizado pela autoridade. Eu abandonei tudo por amor à cidade.
Sou cidadão carioca emérito. Não me tirem agora a cidade. Senhora
secretária, não deixe isto acontecer. O momento é histórico e importante. O
que fizermos agora vai, como já disse, repercutir em todo País. Se
decidirmos bem, ficaremos todos, nacionalmente um pouco mais alegres. Se
perdermos a oportunidade estaremos fazendo como aqueles que querem a todo
custo tirar a esperança do Brasil. Agora que estamos crescendo, produzindo
auto-estima que poderá iluminar o aparecimento da nação
brasileira.
Podemos fazer historia Senhora Secretária, ou sermos atropelados por ela.
Creia-me um seu admirador e antigo eleitor.
Obrigado pela atenção.
Amir Haddad
P.S - A título de pós –escrito uma sugestão de procedimento para o manejo
e crescimento do Teatro de Rua na cidade do Rio de Janeiro.
Sugerimos que;
1) Para sair às ruas, os grupos de Teatro, cadastrados ou não,
deverão apenas comunicar a um Setor de Teatro de Rua, que deverá ser criado
pela Secretaria, que espaços pretendem ocupar e a partir de que hora.
2) o Setor então deverá informar ao comunicante as condições do local,
para orientação do grupo. E sempre que necessário enviar
para lá uma equipe da Prefeitura, que se encarregaria da limpeza da praça
e de sua segurança, para que nossos artistas pudessem cumprir sua tarefa em
paz. Se houver necessidade de energia elétrica o Setor deverá providenciar
junto à Rio Luz a localização e a utilização do ponto de luz mais próximo,
sem ônus para o grupo.
A Guarda Municipal que estiver na região deverá ser estimulada a
proteger e assistir o espetáculo. Eles já fazem isto, porem com medo de
serem castigados. Terão assim melhorado sua qualificação para a função a
que se destinam.
3) O cadastramento dos grupos deverá ser feito junto a Rede de
Teatro de Rua do Rio de Janeiro, que se encarregará de manter atualizado
o cadastro do Setor de Teatro de Rua da Secretaria.
O grupo não cadastrado que comunicar seu trabalho ao Setor da
Secretaria estará automaticamente cadastrado e suas características ( nome,
formação, origem) deverão ser comunicadas a Rede que irá entrar em contato
com eles, para vinculá-los ao movimento nacional do Teatro de Rua.
4) Sei que os representantes da Rede Estadual de Teatro de Rua têm
pensado nisso que vou expor e que acho excelente.
Há grupos que além de andar por vários pontos da cidade, mantém o
vinculo permanente com as praças e comunidades onde têm suas sedes. Assim
seria interessante se este grupos se encarregassem da ocupação e
programação das praças onde estão suas sediados, ali desenvolvendo
atividades permanentes com apoio e cooperação da Guarda Municipal. Alguns
de nós já fazemos isto, mas sem nenhum apoio, estimulo ou segurança.
Poderemos melhorar, e muito, a vida na cidade, na região onde habitamos.
Sonhamos como uma cidade feliz e iluminada pela esperança.
A Secretaria de Cultura pode trazer saúde para a população carioca.
Não queremos poder, mas sim colaborar para a construção da esperança.
Trabalhamos no presente para um outro futuro, possível.
Atenciosamente
A. H
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