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segunda-feira, 5 de abril de 2010

O DESPERTAR DA PRIMAVERA

Escrito no final do século XIX por Frank Wedekind, então com 27 anos, “O Despertar da Primavera” é o maior sucesso do autor alemão, a estreia, apenas em 1906, causou estranhamento graças às cenas polêmicas envolvendo um grupo de jovens de uma escola tradicionalista da Alemanha em tempo de forte opressão sexual. Temas como homossexualidade, masturbação, suicídio, aborto e o primeiro amor, surgiam de forma revolucionária no texto: um retrato sensível da adolescência e da crise existencial pela qual passavam os personagens, alguns sucumbindo à ela. No texto, o autor demonstra ousadia e criatividade, além da influência do escritor, também alemão, J.W. Göethe - é interessante perceber como o discurso de seu protagonista, Melchior Gabor, evoca aos personagens Werther e Fausto, este citado nominalmente em cena -, e aponta horizontes que, mais tarde, seriam vislumbrados no expressionismo e no teatro épico germânico. No Brasil a peça foi, por muito tempo, uma das preferidas para formaturas de turmas de teatro, já que possui alguns dos melhores personagens jovens da dramaturgia clássica e permite a integração de um grande número de atores, sem contar que muitas das questões levantadas continuam pungentes até hoje, em especial para as “crianças” que estão entrando no mundo adulto. Algumas montagens profissionais também foram feitas com sucesso em nosso país, cabendo destacar a do final dos anos 1970, dirigida por Paulo Reis, que lançou atores como Miguel Falabella e Maria Padilha, e outra, já nos anos 1980, de Ulysses Cruz com o grupo Boi Voador. A versão da obra, que recebe agora montagem do diretor cênico Charles Möeller (que quase integrou o elenco do espetáculo de 1986) e do tradutor musical Claudio Botelho, é um musical homônimo criado por Steven Sater, que estreou em 2006 na Broadway, alcançando grande sucesso, recebendo o Prêmio Tony de Melhor Espetáculo do Ano e outros sete troféus na mesma noite, o Grammy de melhor álbum musical, e outras importantes premiações. Um dos maiores estúdios do Estados Unidos pretende transformar o musical num filme, em breve. O resultado da adaptação americana, no que diz respeito ao texto, é bastante eficiente, em especial no segundo ato - no primeiro há alguns poucos momentos mais entediantes -, condensa a trama original, focando em seus conflitos principais e acerta ao transferir poeticamente algumas passagens para as músicas. Com pegada de show, e ótima presença de guitarras, algumas das músicas de Duncan Sheik têm a força de um clássico instântaneo do rock'n'roll e são realmente ótimas melodicamente, com as bonitas letras do dramaturgo que, na sempre excepcional versão brasileira do tradutor, contam e refletem a história, mas não se restringem apenas ao contexto da cena, o que nos permite, inclusive, imaginar que funcionam muito bem fora do musical, que aqui recebeu a direção musical de Marcelo Castro. Na montagem da Broadway, a encenação chamava atenção pela ruptura que propunha entre dramaturgia e música, com os personagens interrompendo as cenas dramáticas - algumas vezes a congelando - para executarem as canções com microfones de bastão na mão, remetendo a um grande show. Já na atual montagem brasileira, talvez como elemento criativo para justificar o modelo non-replica (que não reproduz a montagem americana) adotado pelos produtores, o formato se assemelha ao dos musicais tradicionais, com os números de música como continuidade de cenas, ora como sequência natural, ora como sonho da imaginação dos personagens. Partindo desta proposta, o diretor brasileiro cria lindos momentos, com grande sensibilidade, seja na criação de marcas e imagens, ou na condução dos atores em suas cenas, que perdem, um pouco, apenas pela cenografia fria e não muito atraente. É preciso reconhecer o excelente trabalho de casting da produção que reuniu o elenco jovem, equilibrando alguns profissionais que se saem melhor atuando, a outros, que se saem melhor cantando, mas cujo conjunto em cena é admirável. A começar por Pierre Baitelli e Malu Rodrigues, que dão vida ao casal romântico: ele com grande vigor cênico, e uma presença sedutora, ela com delicada interpretação e voz belíssima - uma verdadeira promessa para o mercado musical. Dentro do ótimo elenco, Rodrigo Pandolfo se destaca como o confuso amigo do protagonista, sua composição é comovente e apresenta um cuidadoso trabalho vocal e corporal, cujo ápice da mescla de emoção e graça, atinge em sua cena derradeira. Thiago Amaral tem rendimento interessante, com uma interpretação despojada de seu personagem arrogante. Representando diversos personagens adultos, Debora Olivieri está irrepreensível, transitando com total domínio por momentos cômicos e dramáticos, bem acompanhada por Eduardo Semerjian. Letícia Colin e Laura Lobo, surpreendem muito quando cantam e, juntas, realizam o melhor número musical. Completam o elenco Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Clara Verdier, Danilo Timm, Eliane Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Felipe Tavolaro, Gabriel Falcão, Lua Blanco, Mariah Viamonte e Thiago Marinho. É empolgante ver que “O Despertar da Primavera” cumpre papel fundamental ao levar os jovens para o teatro, não só os talentosos que estão no palco, como também aqueles que ocupam a plateia, recuperando o interesse destes pelo ambiente teatral com este ótimo musical rock.



Serviço: Teatro Sérgio Cardoso
Sexta 21h30, sábado 21h e domingo 18h

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